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quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

A questão da subespécie em Lachesis



A falta de consenso entre os que realmente entendem permite aos pequenos divagar. Já lí sobre a disjunção da Mata Atlântica e floresta Amazônica ocorrendo entre 300 e 800.000 anos atrás. Já ouvi Niége Guidon dizer que a 10.000 anos (dez mil anos), na Serra da Capivara, Piauí, um dos lugares mais secos do Brasil, havia um continuo entre Mata Atlântica e o bioma Amazônico  A região era tão úmida, que há desenhos rupestres de botos, grandes cervos (amazônicos) e vegetação alta. A datação destes desenhos ainda é incerta, mas Niége aposta que seus autores foram caçadores-coletores que andaram pela região entre 27 e 34.000 anos atrás.

"A antiguidade do homem americano está longe de resolver-se. Existem sinais de sua presença num período bastante largo, sem que os especialistas se tenham posto de acordo, que vai de 9 mil a 40 mil anos passados. Isso, enquanto se espera a confirmação dos 350 mil anos que, num resultado inicial, foram dados á camada IV da Toca da Esperança"

(Vicente Tapajós, R. IHGB, Rio de Janeiro, 152 (372): 785-799, jul./set. 1991)

Isto posto, volto à questão inicial deste post, a possibilidade de divagar. É certo que a questão da subespécie como um todo tende a cair em herpetologia: muita atenção a alguns detalhes, em detrimento de outros.

No caso de Lachesis, pessoalmente mantenho a distinção subespecifica, não só por ter clara a distinção morfológica, como para também não ter que ficar todo o tempo dizendo "refiro-me especificamente ao animal da Mata Atlântica", que é o foco do meu trabalho.

Mas o trabalho de Francisco Fernandes bate com a introdução do primeiro paragrafo deste post: há muita genética comum entre os animais da Amazônia e da Mata Atlântica  biomas que estiveram unidos talvez antes do que se supunha. Minha intenção jamais seria contestar algo tão bem elaborado como sua "Revisão Sistemática , mas simplesmente dizer que para mim há utilidade em sistemática na distinção subespecifica de Lachesis no Brasil.

Já Ripa defende não só a manutenção da subespécie brasileira, mas amplia a distribuição de Lachesis muta rhombeata por todo o noroeste brasileiro até o sul do Rio Amazonas.

O ponto de vista de Daniel e Francisco Fernades:
http://www.lachesisbrasil.com.br/download/Revisao_de_Lachesis.pdf

O ponto de vista de Ripa:
http://www.lachesisbrasil.com.br/download/DeanRipa-GeographicalDistribution.pdf

O ponto de vista de Zamudio e Greene:
http://www.lachesisbrasil.com.br/download/Lachesis%28Zamudio-Greene%29.pdf

Um clássico das diferenças entre venenos em Lachesis, por Otero e Fátima Furtado:
http://www.lachesisbrasil.com.br/download/ComparisonVenomThreeSubspeciesLachesisMuta.pdf

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Sobre a Amizade, ao Dr. Délio Campolina



Tem gente que faz parte da minha vida sem que eu os conheça pessoalmente. Dr. Delio é um deles. Não sei se há alguem que entenda tanto quanto ele da clinica e tratamento de acidentes com animais peçonhentos  em Minas Gerais. Mais que ele sei que não há.





Tenho especial gratidão por aqueles que se prestam a ajudar gente miúda, como eu, um outsider na academia, e não uso aqui de falsa modestia. Sou um 'pratico', como os 'cirurgiões barbeiros' da época de Ambroise Paré.


Pois bem, gente como eu se bate eventualmente em areas dificeis, como a neurotoxicidade em Lachesis, confira:

http://lachesisbrasil.blogspot.com.br/2011/05/neurotoxicidade-em-lachesis.html.


Mesmo caso a tal 'dessensibilização pré soroterapia': inocua, ineficiente, e potencialmente prejudicial (iatrogenica). Minha opinião, clara, inequivoca, está aqui:

http://lachesisbrasil.blogspot.com.br/2011/03/nao-existe-eficacia-na-medicacao-pre.html


Outro tabú é o uso da heparina nos acidentes ofidicos. Foi nessa seara que experienciei pela primeira vez a consideração e a categoria tecnica de Dr. Delio, que me sentenciou, sem meias palavras: "só usamos heparina naqueles raros acidentes crotalicos em que o edema está fugindo de controle", rumo à má perfusão tecidual distal. Pode parecer pouco, mas para mim é muito. Só obtive silencio em outras mil consultas.


COMO NINGUEM, Dr. Delio sabe dos 'pingos nos is': cobras matam, mutilam, causam dôr, sofrimento, ao mesmo tempo em que curam com as propriedades de sua peçonha, e equilibram o ambiente natural.










Este é o mundo de Dr. Delio Campolina, no maior Pronto Socorro de Minas Gerais, meu orgulho pessoal, o João XXIII. Do alto de quem coordena a Toxinologia nesta instituição, enviou-me recentemente a seguinte recomendação:


"Oi Rodrigo,

Parabéns pelo trabalho e pela dedicação.
Peço-lhe apenas uma coisa.... cuidado com as
serpentes; não se arrisque muito, pois é normal
do ser humano pensar que os bichinhos nos conhecendo
não oferecem muito perigo. Um bom número de acidentes
são de pessoas habituadas a lidar com
o perigo; com o tempo ficam a cada dia um pouco mais sem medo,
podendo se distrair...


Legal o blog e o site..

Um abraço

Délio"



CORRETÌSSIMO, reconheço que tenho baixado a guarda. Agradeço pela lembrança carinhosa desse comportamento temerário, ainda mais com surucucú.

Espero sinceramente não ter que recorrer aos seus préstimos de Colega. MAS ANTECIPO AQUI MINHA VONTADE TESTAMENTAL : se surucucu me pegar, quero SUS, quero João XXIII, quero Dr. Délio conduzindo o tratamento.


E CONFIRA TAMBEM, LOXOSCELISMO FATAL NO JOÃO XXIII:

http://www.lachesisbrasil.com.br/download/Learning%20to%20ask%20questions.pdf




domingo, 13 de fevereiro de 2011

Breve historico comentado do gênero Lachesis





Ao nos referirmos às "surucucus", "surucucus-pico-de-jaca", "surucucus-de-fogo", "surucucu apaga-fogo" ou "surucutingas", estamos falando dos animais que os Tupi - Guaranis denominavam "sú-ú-ú", ou "bote-bote-bote", referência a botes sucessivos, ou "àquela que dá botes sucessivos".

Há sempre uma mística na nomenclatura popular para o Gênero Lachesis. Em qualquer língua observa-se respeito e reverência: "mata-buey" ou "mata-boi" em partes da Américas do Sul e Central; "maitre de la brousse" ou "chefe-do-mato" na Guiana Francesa, e na língua inglesa "bushmasters" ou "rainha da mata"... Difícil traduzir literalmente, mas fácil de compreender a advertência velada nesses nomes.

Nas expedições do século XVIII ao Brasil houve relato de "ataques a fogueiras de acampamentos", aguçando a curiosidade e a fantasia de gerações. O medo do observador realmente ampliou em muito, o que foi provavelmente uma reação defensiva a uma desorientação termo-sensorial, frente a carvões incandescentes encontrados repentinamente pelo réptil no solo da mata. 

É fato que uma surucucu pode se aproximar sem temor de um ser humano de forma investigativa. Havendo uma fonte térmica adicional (além do volume corporal) nas mãos dessa pessoa, a proximidade pode desencadear novamente o comportamento defensivo (bote), mas daí a "atacar fogueiras" há uma grande distância, ainda mais cientes que somos de que a natureza trabalha pela economia de energia e auto-preservação.

Mas há evidencias de que uma surucucu  ao menos nas Matas Atlânticas (Ab'Saber) do Sul da Bahia, pode sim desferir botes em fontes térmicas ou luminosas nas mãos de quem adentre seus domínios, à noite. Confira: http://lachesisbrasil.blogspot.com/2011/07/apaga-fogo.html

As surucucus encontram-se na Superfamília Colubroídea (Caenophidia), onde observa-se uma especialização gradativa (em relação ao ancestral boídeo) na função de produção e inoculação de peçonha, como forma de subjugação da presa. Esta Superfamília inclui a família Viperidae (Boie,1827), com sua dentição solenóglifa. Da Família Viperidae deriva-se a sub-família Crotalinae (animais com fosseta loreal), onde se encontra o Gênero Lachesis.

O termo Lachesis foi usado pela primeira vez por Daudin, em 1803. Foi extraído da mitologia grega, sendo Lachesis uma das Deusas do Destino, a responsável pela determinação do tempo de vida concedido aos seres humanos, numa alusão à letalidade potencial. Estudos (levantamento mundial) de certa forma contaminados pela notificação inadequada ou só realizada em caso de óbito, apontam para morte em 80% do acidentes com o gênero, não sendo essa contudo, a realidade brasileira. Temos serie com bichos amazônicos onde a mortalidade foi inferior a 10%.

Em 1766 Linnaeus descreveu Crotalus mutus. De fato, o vibrar vigoroso da cauda sobre o folhiço é o som dos pesadelos dos humanos que dividem território com Lachesis. Uma "cascavel" (chocalhadora), porém "muda" (sem chocalho), ou "mutus", pensou Linnaeus, observando o segundo estágio defensivo de Lachesis. Aumente o som e confira:




O primeiro estagio defensivo é a imobilidade, confiando na camuflagem; o terceiro é elevação do terço cervical em até 50-60 cm ou mais de altura em relação ao solo, numa demonstração de força e vigor que inibe o agressor.

O masculino "mutus" seguiu até 1822, quando Schinz propôs "muta", formando-se pela primeira vez aqui a nomenclatura binominal Lachesis muta: Lachesis (Daudin,1803) + muta (Schinz, 1822) ou "destino silencioso", e quem já acompanhou de perto um acidente laquético sabe que de fato a hipotensão que se instala dá no vitimado um aspecto de "indiferença", em sua trajetória "silenciosa" para o estado de choque e parada cardíaca, algo que pode ocorrer na primeira hora de evolução.

Em 1824 Wied descreve Lachesis rhombeata. Em 1966 Hoge descreve Lachesis muta noctivaga, e em 1978 (Hoge e Romano) a sinonímia noctivaga-rhombeata é feita, com a descrição da subespécie Lachesis muta rhombeata, foco de grande polemica atual, quando a maior parte da academia resiste ao conceito de subespécies para o Gênero. Voltaremos adiante à questão.

Taylor, em 1951, adota pela primeira vez a nomenclatura trinominal para Lachesis, na descrição de Lachesis muta muta. Em 1986, Solorzano e Cerdas descrevem Lachesis muta melanocephala na Costa Rica. A tendência à classificação de todo o Gênero como Subespécies de Lachesis muta atingiu Lachesis stenophrys (Cope, 1876) em 1970, quando Peters e Oreja-Miranda propõem Lachesis muta stenophrys, do norte amazônico e America Central, no lado Atlântico da Cordilheira de Talamanca.

Em 1994 Ripa publica artigo no Bulletin of the Chicago Herpetological Society apontando para o caminho da elevação ao nível de espécie, de Lachesis muta melanocephala e Lachesis muta stenophrys, e em 1997 também na CHS, Zamudio e Greene com base em analise de DNA mitocondrial, confirmam a diferenciação evolutiva dos clados.

Assim, a partir de 1994, o gênero compreenderia as espécies L. stenophrys, melanocephala e muta, esta última, com a subespécie rhombeata. Franco e Fernandes em 2004 não reconhecem Lachesis muta muta e portanto não reconhecem Lachesis muta rhombeata. Ripa em 2006 sugere que a subespécie rhombeata seja mantida, ampliando sua distribuição geográfica a todo o sul do Rio Amazonas.


Animais do norte do Mato Grosso e da Mata Atlântica, ou matas atlânticas (Ab' Saber) são idênticos (e tiveram contato no passado) e a barreira geográfica que os isola hoje, é uma disjunção recente (máximo 800.000 anos). Há pouca diferença morfológica em relação à população do norte do Rio Amazonas, mas novas teorias evolutivas e sistemática pura não são o alvo deste artigo, sendo contudo importante ressaltar que a polêmica continua viva.

Os últimos movimentos na história do Gênero tem raízes em 1896, quando um certo "Doctor Garcia" descreveu "la verrugosa del Chocó", Bothrops acrochordus. Esta população do noroeste amazônico permaneceu num limbo taxonômico até recentemente, quando Ripa, em 1999, a descreve como espécie Lachesis acrochorda, fechando o quadro atual:

1.  Lachesis melanocephala (Solorzano Cerdas,1986)
2   Stenophrys (Cope,1876)
3.  Lachesis acrochorda (Garcia,1896)
4.  A distinção subespecifica do representante brasileiro do gênero,  Lachesis muta (Linnaeus, 1766; Daudin, 1803) em Lachesis muta muta (Daudin, 1803; Taylor, 1951) e Lachesis muta rhombeata (Wied-Neuwied, 1824; Hoge, 1965) é foco de controvérsias, como todo o conceito de subespecies em herpetologia.
  



Para aprofundamento e sistematica de Lachesis, confira: http://lachesisbrasil.blogspot.com/2011/02/questao-da-subespecie-cascata-das-racas.html 


O melhor da história do gênero é que ela ainda esta sendo escrita, neste momento. Há bem pouco tempo, Ditmars e Amaral em sua correspondência ainda aventavam para a hipótese da oviparidade no gênero: http://lachesisbrasil.blogspot.com.br/2013/09/mole-ditmars-amaral-e-o-enigma-dos-ovos.html Evolução, morfologia, comportamento e sistemática à luz da biologia molecular são alvos de estudos atuais.


Urgente acima de tudo é a preservação da "Surucucú-da-Mata-Atlântica", um "predador de grande porte confinado a área restrita, do Rio de Janeiro ao Rio Grande do Norte, sob fortíssima pressão antrópica" (P.E Vanzolini, comunicação pessoal) cuja principal ameaça é a destruição de 95% do seu habitat e a política atávica do abate. A surucucu da Costa Rica, Lachesis melanocephala, encontra-se em pior situação de ameaça, pelos mesmos motivos.

A biologia do animal é uma ode adaptativa ao bioma perdido. Sem a umidade da mata os ovos porosos se ressecarão. Escamas hiper-queratinizadas (pico-de-jaca) garantem proteção contra fungos no habitat úmido e também função escavatória em sua vida comensal e semi fossorial nos buracos de paca e tatu. O longo tubo digestivo permite processamento alimentar em baixas temperaturas (18oC ou pouco menos, no fundo das tocas). O bote alimentar caracteriza-se por não soltar a presa, que poderia se perder no solo úmido da mata repleta de alagadiços.

Apesar de poder alcançar 3,40m, lançando botes acima do nível da cintura e com muita inoculação, trata-se de animal dócil e compleição delicada que requer manuseio diferenciado.

Como cada um de nós tem o direito a existir no planeta, e respeitados alguns horários e regras básicas, a coexistência com os humanos é perfeitamente viável, confira: http://lachesisbrasil.blogspot.com/2011/08/sobre-pergunta-recorrrente-de-como-se.html

VEJA TAMBEM:

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Bushmaster, Mapepire Zannana, Abaacua, A'tami, Boba, Bosmeester, Cascabel Pua, Concha Pina, Couanacouche, Cresta del Gallo, Cuaima, Cuaima Concha de Pina, Cuaima Gallo, Culebra Sibucano, Daya, Diamante, Guacama, Guayma, Juba-vitu, Kapasisneki, Macagua, Macaurel, Maitre de la Brousse, Makasneki, Makkaslang, Mapana Rayo, Mapanare, Mapanare Verrugosa, Mapepire Galle, Mapepire Z'ananna, Mapepire Zanana, Martiguaja, Matabuey, Mazacuata, Montuno, Pararaipu, Pineapple Mapepire, Pucarara, Pudridora, Rieca, Shuchupe, Shushupe, Sungusero, Surucucu, Surucucu de Fogo, Surucucu Pico de Jaca, Surucucutinga, Surucutinga, Toboa Real, Verrugosa, Verrugosa del Choco













FOR VIDEOS AND  PUBLICATIONS OF NSG's Lachesis preservation project, Brazil, PLEASE CHECK:  http://www.lachesisbrasil.com.br/downloads_nsg_en.html

Eco-Biologia do Genero, baseada no representante da Mata Atlantica Brasileira



Estima-se que restam 7,4% da Mata Atlântica original na Bahia. O desmatamento 'formiguinha' - em pequena escala, multifocal, contínuo e de difícil detecção -  avança à um ritmo de 1% (hum por cento) ao ano sobre de áreas protegidas ou não, segundo as fotografias de satélite da Ceplac.

Confira: http://lachesisbrasil.blogspot.com.br/2012/07/vanzolini-revisitado.html

Não fosse talvez pela avidez mundial pelo chocolate, a situação no sul da Bahia não seria diferente daquela do Espirito Santo, onde quase tudo já é pasto. Ainda assim, mesmo com a mata sendo preservada para sombrear o cacau, aconteceram ondas recentes de ataques diretos ao bioma e seus habitantes.

Nas décadas de 70 e 80 houve pulverização das roças de cacau com BHC, em tentativa de controle de pragas da lavoura cacaueira, com mortandade concomitante de pequenos roedores do genero Orizomys sp., carro chefe da cadeia alimentar de Lachesis.

Lembro-me do trabalho medico em 2007, no vilarejo de Brejo Mole, Maraú, Bahia, de dificil acesso e matas espetaculares, e conversando com seu morador mais idoso sobre Lachesis, este me revela que 'não se vê uma aqui a mais de 10 anos', e explica que a pulverização de BHC 'calou a mata': nem rato, nem passarinho, nem lagartos, nem surucucu, nada. Uma lenta retomada.

Na década de 90, a crise da "vassoura-de-bruxa" (fungo devastador para o cacau) levou fazendeiros desesperados a derrubar a mata, e por outro lado, nesta mesma década, também consolidou-se a exploração do "turismo de aventura" ou "eco-turismo e esportes radicais", com crescente afluxo humano na floresta residual, sempre a um preço para o bioma.

Ultimamente vivemos o chamado "segundo achamento português" (ou europeu) com instalação de mega projetos hoteleiros em regiões costeiras, inclusive dentro da "áreas de preservação permanente" de Mata Atlântica. E pior que isso é a era das 'comodities', Porto Sul e afins, confira:

http://lachesisbrasil.blogspot.com/2011/05/surucucu-o-econegocio-e-o-pacto-do.html

Neste cenário, o que se configura para os proximos 50 anos é presença de fauna confinada em reservas particulares do patrimônio natural (RPPNs), parques e reservas, sem intercambio genético entre as diversas populações. É certo que a Mata Atlântica um dia foi tida por alguns como algo inesgotável, como a Amazônia ainda é vista. Quando se anuncia hoje o "fim do cerrado" em 30 anos, e a 'savanização' do sul amazônico, que estes registros se prestem à reflexão.

É neste residual de ilhas verdes de Mata Atlântica, do Rio de Janeiro ao Rio Grande do Norte, que sobrevive a maior cobra venenosa das Américas e segunda maior do planeta. Predador de grande porte em area restrita,a "pico-de-jaca" enfrenta declínio populacional incontestável, por destruição do habitat e matança indiscriminada.

A sistematica retirou Lachesis muta rhombeata da lista oficial de animais "em extinção" do Ibama.  A ainda controversa sinonimia com "muta" a salvou, ao igualá-la ao animal amazonico, bem mais protegido pela extensão e caracteristicas da Região Norte. A International Union for the Conservation of Nature considera hoje o animal da Mata Atlantica como "vulnerável".

Para aprofundamento em taxonomia de Lachesis, confira: http://lachesisbrasil.blogspot.com/2011/02/questao-da-subespecie-cascata-das-racas.html

O cenário descrito anteriormente projeta futuro sombrio para a especie, não só na Bahia, como em todas as "matas atlânticas" residuais e algumas matas de altitude, na junção Norte-Nordeste, como Baturité, no Ceará.

Nem de longe o Genero tem a adaptabilidade e rusticidade de Bothrops, a começar pela oviparidade em Lachesis, passando pela sua incapacidade de deglutir grandes presas, aquelas de peso maior ou igual a 20% do peso corporal da cobra. Nenhuma surucucú comeria um preá destes de 400 gramas, como facilmente faria uma Bothrops jararacussú adulta.

Em areas restritas onde Lachesis e Bothrops são simpatricos, como o extremo norte amazonico e America Central, observa-se Bothrops asper atingindo e superando as surucucus em  dimensão e numero de individuos. Vide http://lachesisbrasil.blogspot.com/2011/07/supremacia-lachesis-em-cheque.html

Só para se ter uma ideia da questão, durante todo o periodo da "guarda de ovos" a femea de Lachesis vive exclusivamente de agua (70 dias em media), e durante a gestação come pouco ou quase nada (100 dias), enquanto asper (que deglute preás de 400 gramas) despeja de 10 a 20 filhotes vivos e prontos para a luta pela sobrevivencia. Voltaremos adiante à essas observações reprodutivas.

Essa incapacidade de sobreviver fora de biomas com as caracteristicas de umidade e temperatura da mata primaria transforma a luta pela preservação de nossas florestas em luta pela própria especie. O animal não é encontrado na restinga, e mesmo no nivel do mar só a observamos  havendo mata em região montanhosa adjacente.

Nas maiores altitudes temos menores temperaturas. Na mata preservada temos maior umidade. Na mata de altitude, conjugando alta umidade e baixas temperaturas, temos o chamado "território de Lachesis".

Neste território as temperaturas dificilmente ultrapassam os 27 graus e a umidade relativa do ar minima fica em torno dos 75%. A entrada de frentes frias em meses como agosto e setembro, pode, na Bahia, lançar o "territorio de Lachesis" aos extremos minimos da temperatura, cerca de 14 graus Celcius.

Toda a morfologia de Lachesis nos remete à adaptações à esse ambiente:

1) o longo tubo digestivo de um animal que pode alcançar 3,40 mts é uma especialização à digestão lenta à baixas temperaturas.Submeta o animal à altas temperaturas (28-30 graus) durante o processo digestivo, acelerando o catabolismo,e será observado alto indice de regurgitação...

2) a rugosidade da jaca,"pico-de-jaca",observada nas escamas dos adultos,a dita hiper-queratinização,é uma proteção contra fungos e outros perigos do ambiente umido,servindo tambem de couraça em sua vida comensal nas galerias das pacas e buracos de tatús. A rugosidade tem tambem função escavatoria, com alargamento ativo das tocas que evita o pisoteio dos ovos e dos proprios animais,por parte dos donos da casa (pacas e tatús)...

3) a predileção alimentar e a tatica de subjugação tambem dizem muito sobre a adaptação ao bioma. No solo umido e frequentemente alagado da mata,uma presa diminuta pode simplesmente desaparecer até que o veneno a imobilize. Assim, economizando tambem a energia que seria gasta no rastreamento, na grande maioria dos botes alimentares o roedor é retido, com as presas normalmente injetando veneno diretamente no coração e pulmões, visto que a area visada para o bote é quase sempre a cintura escapular dos pequenos (200 gramas) Orizomys sp. Estes ratos tambem se alimentam dos frutos do cacau, o que gera frequentes encontros entre Lachesis e trabalhadores rurais, encontros estes com e explosiva combinação entre falta de material de segurança no trabalho e o perfeito mimetismo contra o folhiço semi-decomposto do solo. No acidente mais comum, o trabalhador pisa da cobra...

4) A oviparidade é outra faceta da biologia do animal que exige bioma de mata preservada,cuja alta umidade evita a desidratação dos ovos porosos. Em Setembro e Outubro,confirmando sabedoria popular, podem ser observados individuos aos pares. As frentes frias que atingem o litoral nordestino neste periodo, provocam brusca queda da temperatura e tambem súbito aumento da umidade relativa do ar. Parece ser esse o gatilho que faz as femeas sairem espalhando seus ferormonios. Cópula neste periodo (100 dias de gestação) significa ovipostura em janeiro e fevereiro, e encubação (70 dias) durante os meses mais quentes e menos chuvosos... A chance de alagamento das profundas galerias de paca e tatú, sitio natural da encubação dos ovos de Lachesis, é menor nessa época. E só há verdadeiras galerias em terrenos de declive, montanhas. Insetos não voam para a escuridão dos túneis, a profundidade das tocas limita a emissão de odores e outros atrativos aos predadors de ovos, como os teiús. Livres da ameaça das larvas de moscas, do alagamento, do pisoteio (pacas e tatús) e sob guarda permanente da femea (ou macho e femea a confirmar), o "cacho" de 6 a 19 ovos (12 x 4,5 cm cada) tem boa chance de vingar na mata preservada.

Confira: http://lachesisbrasil.blogspot.com/2011/06/alguns-habitos-e-taticas-adaptativas-de.html e tambem http://lachesisbrasil.blogspot.com/2011/07/sobre-os-ovos.html

Mesmo sendo considerado animal noturno, as surucucus são observadas buscando banhos de sol antes das 8 da manhã e após 16:30 hs, quando a incidencia é branda. São tambem observadas buscando banhar-se na chuva. Dia frio e chuvoso é dia de Lachesis. Noite fria, chuvosa e sem Lua (boa para caça) é noite de Lachesis.

Compreendida minimamente a relação de Lachesis com seu bioma, é importante lembrar que a coexistencia pacifica com os humanos neste mesmo bioma é um mito. Não há lei ou qualquer outro fator que vá proteger este animal da politica atávica do abate. Trata-se de algo com raízes bíblicas, além de verdades de dor e assombro.

Até os dias de hoje fala-se do ataque a fogueiras ou ao candieiro nas mãos do agricultor. Ou da velocidade do bote que alcança um "cavalo galopando duas vezes". Ou da capacidade de "ficar de pé no proprio rabo" e injetar veneno com a espicula da ponta da cauda. Tudo isso no fundo reforça a politica do abate, e o trabalho de desmistificação é também trabalho de preservação. Sendo bom lembrar contudo, que quando o povo fala de uma vaca malhada, pelo menos uma mancha essa vaca tem.




veja tambem:

http://lachesisbrasil.blogspot.com/2011/02/breve-historico-comentado-do-genero_13.html