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segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Sobre a surucucu que não é



Já escrevi sobre elas: http://lachesisbrasil.blogspot.com.br/2011/04/o-mito-da-cobra-verde-e-da-coral.html

Gente experiente, com uma vida inteira nas cabrucas do cacau - um ambiente sombreado - costuma usar chapéus de aba larga no trabalho aqui no sul da Bahia. Deraldo, que já levou bote na cara, me disse que é pra proteger da 'ouricana', ou 'surucucu-de-ouricana', ou 'pingo de ouro': 'a bocada bateu aqui na pontinha do boné, doutor, foi por pouco ..."

Sigo com Deraldo: " ... é uma rudilhazinha assim de nada, aquele verde nas fôia, quem vê ? ..." Confira um acidentado, abaixo:

http://www.lachesisbrasil.com.br/download/BulChicagoHerpSoc_Vol42Num10pp161-163%282007%29.pdf

O pai de Roque, técnico do biotério do NSG, tem retração cicatricial brutal no cotovelo com limitação funcional permanente, pela ação proteolítica do veneno da 'ouricana'. Animal mais que respeitável.

Há quem se alegre ao vê-las, Paulo Bernarde um deles, eu outro. O problema normalmente é não vê-las. Em incursões em matas Atlântica e Amazônia, não é prudente olhar só para o chão.

Há alguns dias Paulo avistou três delas. Onde, não conto nem sob tortura. Há pelo menos um mega traficante de répteis que acompanha o blog. É bicho de interesse dessa turma.

Os bichos de Paulo estavam a 3, 6 e 10 metros em relação ao chão. Acabo de receber autorização dele para mostrar as imagens:




A título de comparação, confira abaixo 'o mesmo' animal, em bioma de Mata Atlântica, em registro de Marco Antonio de Freitas. O dimorfismo é claro:




Paulo observou que uma das 'ouricanas' fazia o engôdo caudal, movimentando a cauda de forma a atrair batráquios:




Obrigado por tudo Paulo, em especial por uma vida inteira de dedicação ao estudo e preservação destes habitantes da noite.




sábado, 14 de setembro de 2013

Surucucu e o Cérebro



Dra. Fátima Furtado, em comunicação pessoal:

'O veneno das serpentes é uma mistura altamente complexa, capaz de causar vários danos quando injetado em seres vivos. A ação hemorrágica é causada por ações nos vasos sanguíneos levando ao rompimento da parede do vaso e causando a saída do sangue para os tecidos. Também apresentam ações sobre o sistema de coagulação do sangue, tornando o sangue incoagulável. Estas duas ações atuam juntamente, agravando o quadro de envenenamento, pois o sangue incoagulável saiu com maior facilidade pelos vasos sanguíneos rompidos'




A tomografia acima é cortesia do Neurocirurgião Eric Jennings, que à época atuava em Santarém. Mostra uma hemorragia volumosa na região temporal direita do cérebro, após picada de surucucu, e que teve desfecho fatal.

Conheci caso semelhante na localidade de João Alfredo, Maraú, Bahia, quando um paciente picado por surucucu recebeu alta hospitalar com quarenta e oito horas de internação, erro médico. Morreu em casa no terceiro dia, após súbita perda de consciência, convulsão e parada cardíaca. Testemunhas me falaram dos 'olhos virados' (desvio conjugado), e convulsão, típicos dos AVEs agudos.






Surucucu e os Rins



Novamente valho-me de Bernardo Esteves (Revista Piauí n° 83, agosto de 2013), testemunha ocular de uma das muitas entrevistas que conduzo à anos com gente picada por surucucu, tentando entender a clinica dos acidentes, em especial indícios de neurotoxicidade direta - paralisias, alterações sensoriais - mas, nessa entrevista especifica, fui lembrado da potencia do veneno de Lachesis no nosso sistema gênito-urinário, em nossos rins, tópico dessa postagem.




"Souza guiava rumo a Serra Grande, distrito do município de Uruçuca, no sul do litoral baiano. Naquela noite de outono, tinha marcado um encontro com Francisco Santana da Conceição, um homem parrudo de 35 anos, que os amigos chamam de Tureba. Levou-o a uma pizzaria para ouvir e filmar seu depoimento. Queria que Tureba contasse o que aconteceu no dia em que foi picado por uma surucucu.

Alguns anos atrás, o trabalhador rural passava por uma trilha quando uma serpente de mais de 2 metros avançou sobre ele. "Foi uma porrada na perna que quase me jogou do outro lado do caminho", recordou, impressionado com a potencia do bote. Apesar da dor intensa, que se irradiou logo pelo corpo, conseguiu andar até encontrar uma mulher a quem pediu socorro. Minutos após o ataque, já não tinha forças para se mexer. A caminho do hospital, a vista escureceu. "Na ambulância eu reconhecia a voz da minha mãe e do meu tio, mas, por mais que abrisse o olho, eu não conseguia enxergar". Teve hemorragia digestiva e vomitou muito.

Tureba foi levado para Ilhéus e recebeu a tempo o soro que anula a ação do veneno. Ficou oito dias na Unidade de Terapia Intensiva. Em decorrência do acidente, teve insuficiência renal e precisou fazer hemodialise. "Só fiquei bom pra valer seis meses depois", contou. Rodrigo Souza queria saber se ele tinha sentido a garganta travada, como aconteceu com outras vitimas da surucucu. "Você não consegue engolir nem a própria saliva', confirmou Tureba"

O acidente laquético é inequivocamente nefrotóxico. Além da ação direta do veneno, a hipoperfusão por hipotensão e bradicardia podem agravar em muito o quadro, o que nos remete à necessidade de infusão vigorosa de volume nos acidentados.

Alves C.D (2010), Mestre em Farmacologia pela Universidade Federal do Ceará, conduziu excelente ensaio sobre o tema. Abaixo seu Abstract, que dispensa comentários:

'O acidente causado pela serpente Lachesis muta muta é grave e o seu veneno é responsável por uma série de alterações sistêmicas, como a hipotensão arterial. Neste trabalho, foram investigados os efeitos renais do veneno total desta serpente em sistema de perfusão renal e em cultura de células tubulares renais do tipo MDCK (Madin-Darby Canine Kidney). Foram utilizados ratos Wistar machos pesando entre 250 e 300g, cujos rins foram isolados e perfundidos com Solução de Krebs-Hanseleit contendo 6%p/v de albumina bovina previamente dialisada. Foram investigados os efeitos do veneno (10 µg/mL; n=6) sobre a Pressão de Perfusão (PP), Resistência Vascular Renal (RVR), Fluxo Urinário (FU), Ritmo de Filtração Glomerular (RFG), Percentual de Transporte Tubular de Sódio (%TNa+), de Potássio (%TK+) e de Cloreto (%TCl-). O veneno da Lachesis muta muta foi adicionado após 30 minutos de controle interno. As células MDCK foram cultivadas em meio de cultura RPMI 1640 suplementado com 10% v/v de Soro Bovino Fetal e então avaliadas na presença do veneno total da serpente Lachesis muta muta nas concentrações 1µg/mL, 10µg/mL e 100µg/mL. Após 24 horas de experimento, foram realizados ensaios de viabilidade e citotoxicidade celular. O veneno total, na dose de 10µg/mL, causou redução transitória na pressão de perfusão (C60= 108,27 ± 4,88 mmHg; VT L. m. muta60= 88,17 ± 5,27# mmHg; C90= 108,69 ± 5,08 mmHg; VT L. m. muta90= 78,71 ± 6,94#* mmHg) e na resistência vascular renal (C60= 5,57 ± 0,49 mmHg/mL.g-1.min-1; VT L. m. muta60= 3,50 ± 0,22# mmHg/mL.g-1.min-1; C90= 5,32 ± 0,57 mmHg/mL.g-1.min-1; VT L. m. muta90= 3,11 ± 0,26#* mmHg/mL.g-1.min-1) além de aumento do fluxo urinário (C60= 0,158 ± 0,015 mL.g-1.min-1; VT L. m. muta60= 0,100 ± 0,012# mL.g-1. min-1; C120= 0,160 ± 0,020 mL.g-1.min-1; VT L. m. muta120= 0,777± 0,157#*) e do ritmo de filtração glomerular (C60= 0,707 ± 0,051 mL.g-1.min-1; VT L. m. muta60= 0,232 ± 0,042# mL.g-1.min-1; C120= 0,697 ± 0,084 mL.g-1.min-1; VT L. m. muta120= 1,478 ± 0,278#* mL.g-1.min-1). A dose estudada também promoveu redução significativa do percentual de transporte tubular de sódio (%TNa+), potássio (%TK+) e cloreto (%TCl-) nos três períodos analisados (30, 60 e 90 minutos), com conseqüente aumento do clearence osmótico(Cosm) (C90= 0,141 ± 0,011; VT L. m. muta90= 0,309 ± 0,090; C120= 0,125 ± 0,016; VT L. m. muta120= 0,839 ± 0,184#*). A avaliação histopatológica revelou a presença de áreas focais com células com núcleos picnóticos nos túbulos renais dos rins perfundidos com veneno. O veneno também apresentou efeito citotóxico sobre as células MDCK apenas nas concentrações de 10µg/mL e 100µg/mL reduzindo a viabilidade destas células a 38,60 ± 17,9% e 10,62 ± 2,9%, respectivamente. Estes resultados demonstram que o veneno total da Lachesis muta muta alterou todos os parâmetros renais avaliados na perfusão renal, induzindo hipotensão transitória e intensa diurese. O veneno também possui ação citotóxica sobre as células MDCK após 24 horas de incubação.'




sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Surucucu e o Coração



Dr. Rogério, Cardiologista, manda Email comentando a postagem "Primeiros socorros aos acidentados por animais peçonhentos no Brasil ...", e confirmando em sua experiencia clinica, a hipótese da cardiotoxicidade direta no escorpionismo envolvendo Tityus serrulatus:

 '... fizemos de tudo, e rápido, inclusive soroterapia especifica nas duas primeiras horas de evolução, mas a fração de ejeção estava em 12, nunca vi uma evolução tão rápida num adulto jovem, e previamente hígido...'

'Fração de ejeção' (FEVE) é a força com que o ventrículo esquerdo injeta sangue em nosso organismo, e num jovem adulto saudável deverá ser superior a 55%. 40% já é diagnóstico de 'disfunção sistólica'. 12% é insuficiência cardíaca severa com risco eminente de morte.




Também já vivi isso Dr. Rogério, também com Tityus serrulatus, em Araçuaí, MG. Eu e minha esposa Ana Paula perdemos um paciente de 10 anos de idade, acidentado à pouco, e que recebeu soroterapia especifica em tempo hábil e dose adequada, e mesmo assim evoluiu para insuficiência cardíaca, edema agudo de pulmão, não respondendo a ventilação mecânica e aminas vasoativas. Morreu nas minhas mãos.

Há um excepcional Cirurgião Geral mineiro, José Renan da Cunha Melo, professor de Cirurgia do Aparelho Digestivo do H.C da UFMG, nascido em Araçuaí, que tem outros relatos semelhantes à este acima ocorridos no Vale do Jequitinhonha; outro grande cirurgião do Vale, meu mentor Jansen Cherfani Tanure (CAD HC UFMG), também teve a infeliz oportunidade de vivenciar o escorpionismo fulminante num primo com 16 anos de idade. É fato: alguns casos cursam com uma especie de impregnação irreversível no aparelho cardiovascular, em adultos inclusive. A GRANDE MAIORIA DOS MÉDICOS NÃO SABE DISSO, E TENDE A SUBESTIMAR O ESCORPIONISMO.

Mas retornando ao texto de Dr. Rogério, ''... gostaria de saber se com a surucucu ocorre alguma lesão cardíaca direta, lí seu relato de hipotensão e bradicardia, mas como eventos de instalação praticamente imediata, não creio que devam a cardiotoxicidade direta ..."

OK Dr. Rogério, e vamos lá: falando de Viperídeos, existem varias alterações cardíacas no acidentados. Alterações de frequência e ritmo (bradicardia e taquicardia sinusais). Padrões de isquemia miocárdica e mesmo infarto. E finalmente arritmias por bloqueio.

Parenteses para os não médicos: o termo 'sinusal' acima significa que apesar da frequência cardíaca estar aumentada (taquicardia) ou diminuída (bradicardia), o ritmo é constante. Não tem aquela de 'bate uma e falha duas'. O termo 'bloqueio' acima significa obstaculo à condução elétrica que move o coração.

Um soldado de 23 anos, saudável, foi picado por surucucu na Colômbia em 1991 e desenvolveu um tipo de lesão cardíaca permanente seis semanas após o acidente, que pediu implantação de marca-passo definitivo. O caso foi publicado por Orjuela e cols em 1992, na Revista Colombiana de Cardiologia (RCC, 2002 ; 9:361-364).

Dr. Rogério, o distúrbio supra citado foi um BAV de segundo grau, do tipo Mobitz I, sintomático (sincope, náusea), ilustrado abaixo. Mesmo o leigo pode ver que o coração do rapaz não é mais um reloginho, e que as ondas do traçado não tem mais um padrão regular. O intervalo P-R vai aumentando, aumentando, e então temos um bloqueio na condução, com P-P sem QRS.




É isso então, veneno surucucu pode sim lesar diretamente o coração. Grato pela visita, e à disposição.






domingo, 8 de setembro de 2013

Subcão



Um leitor da Piauí pergunta: 'Qual a razão para o otimismo ?' Referindo-se ao fato de que sigo adiante em meio a tantas ameaças, 'como um azarão, um underdog, um subcão ...'

Há vários motivos para seguir em frente, a começar pela causa em si e pela possibilidade que tenho de fazer a diferença no futuro de Lachesis muta rhombeata. Mas é de dentro do próprio Ibama que retiro esperanças concretas.




Após quatro anos de exaustiva analise das questões  envolvendo o Núcleo Serra Grande, foi gerada a informação técnica NUBIO n° 180/08, pelo Núcleo de Biodiversidade da Superintendência do Ibama Bahia, Dra. Aline Borges do Carmo, cuja integra inicia-se na folha 370 do volume II do processo, e cuja conclusão transcrevo em parte, abaixo:

"As documentações exigidas pela NUBIO para emissão de Licença de implantação de um criadouro comercial foram atendidas pelo interessado. Entretanto, o interessado tem pendência em seu nome relacionada a um auto de infração, conforme processo n° 02006.005689/04-76.

(Nota minha: recorri desta autuação, tive indeferido meu recurso, e a multa foi paga. O processo criminal que é aberto junto ao administrativo foi dado por proscrito pelo Juiz de Itacaré, Dr. Alexandre Valadares Passos, em 31/08/2008, n° SAIPRO 2167345-7/2008).

Considerando a complexidade desta situação; considerando-se que o interessado tenta regularizar suas atividades desde 2004, não obtendo sucesso até então; considerando a dificuldade de manutenção da espécie Lachesis muta em cativeiro por instituições legalmente aptas para tal; considerando-se a área onde o criadouro estar localizado ser de ocorrência natural abundante da espécie em questão e estar em processo de expansão urbana desordenada devido ao apelo turístico, sendo natural o encontro da serpente, de alta periculosidade, por cidadãos; considerando-se a dificuldade de deslocamento do EsReg Ilhéus do IBAMA e do CRA para atender a demandas especificas relacionadas ao resgate desta espécie no município de Itacaré, tendo a própria Secretaria De Meio Ambiente, responsável pelo resgate neste caso, declarando-se inapta a realizar tal procedimento, havendo recorrido diversas vezes ao interessado para que ele resgatasse serpentes, tendo citado um acordo informal entre o poder publico e o interessado (fls 196 a 201 processo n° 02006.005689/04-76)"

E também, no memorando NUBIO n° 074/2008 de 05 de junho de 2008, a mesma Dra. Aline (Núcleo de Fauna IBAMA, de Salvador), cuja integra encontra-se na folha 376 do processo, pronuncia-se da seguinte maneira:

"A analise técnica do processo já foi finalizada e as documentações exigidas já foram apresentadas pelo interessado. Entretanto, como corre paralelamente um processo relacionado a Auto de Infração ( proc. n° 02006.005689/04-76), este Núcleo optou por aguardar uma posição desta PFE antes de conceder a referida licença. Há algumas peculiaridades referentes ao processo que devem ser consideradas com bastante cautela em sua analise, conforme expomos a seguir:

- O interessado vem tentando regularizar sua situação desde o anos de 2004, não tendo conseguido até então, devido à falta de documentação necessária, já sanada atualmente, e posteriormente à pendência relacionada ao Auto de Infração em seu nome;

- A apreensão e destinação dos animais em posse do interessado é uma ação delicada e perigosa. A espécie em questão é a maior serpente peçonhenta brasileira, sendo poucos os técnicos habilitados a manejá-la. Não temos, no IBAMA de nosso estado, técnicos com tal capacitação. Alem disso há apenas três instituições no Brasil habilitadas pelo Ibama a receber esta espécie, e tais instituições tem dificuldades de manter vivos seus exemplares por se situarem em locais distantes na área de ocorrência do animal e pela espécie ser exigente em relação ao clima;

- A região onde o criadouro está instalado (município de Itacare  dista cerca de 60 Km da Unidade do IBAMA mais próxima, o EsReg de Ilhéus, que não tem tido condições de atender demandas relacionadas a resgate de serpentes no local. A Secretaria de Meio Ambiente de Itacaré relatou em correspondência anexada ao processo Auto de Infração, que etm uma 'parceria informal com o interessado', na qual ele realizaria o resgate de animais naquele município pela falta de atuação do IBAMA, CRA e Corpo de Bombeiros nestes casos.

Por todas estas motivações, este NUBIO acredita que a melhor ação a ser tomada, neste caso, seja concessão de Autorização de Instalação do referido empreendimento, até como forma de  melhor acompanhar, através de vistorias anuais, as atividades do interessado, tomando providencias cabíveis quando as mesmas forem consideradas ilegais"



quinta-feira, 5 de setembro de 2013

A mais




"Qual é a cobra mais venenosa do mundo ? Qual é a cobra mais venenosa do Brasil" Perguntas frequentes no blog.

É questionamento aparentemente simples, mas de resposta complexa: tem veneno que é fraco no laboratório, mas devastador quando inoculado num ser humano.

Durante a coleta de informações para a matéria da revista Piauí, Bernardo Esteves me fez essa pergunta fatídica, sobre 'a mais', e para respondê-lo, indiquei um paragrafo de Hardy e Haad, publicado pela Chicago Herpetological Society, em 1998*, e que alude ao fato de que uma coisa é teste de potencia de veneno em ratos, outra coisa é a clinica dos envenenamentos em humanos.

* Bull. Chicago Herp. Soc. 33(6):113-123, 1998. "A Review of Venom Toxinology and Epidemiology of Envenoming of the Bushmaster (Lachesis) with Report of a Fatal Bite"

Valendo-me da habilidade um profissional da palavra, e sua incrível capacidade de transformar matéria complexa em algo palatável, transcrevo Bernardo Esteves:

"A toxicidade do veneno de uma serpente é convencionalmente medida por uma unidade que os especialistas chamam de DL 50, que corresponde à dose letal suficiente para matar 50% dos camundongos injetados com a substancia. Mensurada por este método, a peçonha da surucucu não impressiona. Tome-se o exemplo da cascavel, uma das serpentes mais letais para cobaias. 'São necessários 1,5 ou 2 microgramas desse veneno para matar um camundongo' afirmou Aníbal Melgarejo. 'Já com a surucucu, você precisa de uma quantidade 150 a 300 vezes maior'

A baixa letalidade do veneno de Lachesis em cobaias não reflete os efeitos devastadores descritos nos poucos relatos de picadas em humanos descritos na literatura. O americano David Hardy e o colombiano Juan José da Silva Haad discutiram essa discrepância num artigo de 1998. Concluíram que extrapolar os dados de DL 50 de uma especie para outra era uma futilidade.'A lição que fica é que camundongos não são seres humanos', escreveram. 'As dez cobras mais venenosas do mundo não são necessariamente as listadas nos documentários de TV a cabo - amenos que você seja um rato ou porquinho-da-índia'

O herpetólogo americano Dean Ripa mantem em Wilmington, a cidade onde nasceu, na Carolina do Norte, um serpentário aberto ao publico que abriga mais de quarenta espécies venenosas de cobras, trazidas por ele de vários cantos do globo. Sua coleção inclui as serpentes mais temidas do mundo, como a naja-real, a mamba-negra, e a víbora-do-gabão. Ripa tem um fascínio especial pelas Lachesis, sobre as quais escreveu um elogiado livro de referencia. Em seu site, ele diz ter sido mordido catorze vezes por cobras venenosas, das quais sete por Lachesis. Quando lhe pedi que comparasse o envenenamento por surucucus e outras especies, recebi dele o seguinte relato por email:

Entrei em colapso físico em quatro minutos após ter o veneno inoculado numa ocasião, em sete minutos em outra, e em vinte e cinco na terceira. a mordida é muito diferente da de outros viperídeos  por provocar incapacitação e morte de forma muito, muito rápida  Por outro lado a destruição de tecido é comparativamente baixa, se você sobreviver (e, claro, tiver soro antiofídico . Das outras sete mordidas de viperídeos que levei, a surucucu foi de longe a que apresentou o pior quadro sistêmico, mas causou o menor estrago local"

Em 2007 publiquei na Chicago Herpetological Society, o primeiro caso de acidente laquético com evolução minuto a minuto e não tenho duvidas: é picada que pode matar adulto saudável em menos de uma hora. O veneno de cobra mais potente que se conhece, no laboratório, é o da taipan do interior australiano (existe a taipan costeira), ou Oxyuranus microlepidotus. Mata pouco em função da perfeição do sistema medico e de resgates australiano. O sujeito fica bem mal em seis horas, morre entre oito e 24 horas depois da inoculação. Picadas de coral verdadeira no Brasil também podem matar nesse intervalo de tempo, ou menos.

Assim, cabe-me aqui não fechar questão sobre essa ou aquela cobra como sendo 'a mais'. Há bichos no Brasil que exigem prevenção, pois em caso de acidente, o desfecho para nossas vidas é incerto. Essa é a mensagem.

Em tempo, o nome Lachesis vem da mitologia grega, deusa do destino, aquela que tece o fio com o tamanho do nosso tempo de vida.

Para acidente laquético minuto a minuto, em acidente ocorrido no Núcleo Serra Grande, confira:

http://www.lachesisbrasil.com.br/download/BulChicagoHerpSoc_Vol42Num7pp105-115%282007%29.pdf






quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Mole, Ditmars, Amaral, e o enigma dos ovos



Ao final da postagem "Os essenciais 6", afirmo que não há especialistas no gênero Lachesis e que somos todos aprendizes, pois tudo envolvendo as surucucus é muito recente.

Um exemplo disso é o artigo de 1925 de Afrânio Amaral onde se lê:

"... se a suposição levantada por Ditmars, a respeito da oviparidade de Lachesis muta fosse futuramente confirmada, nós teríamos mais um argumento para separar esta especie das de um outro gênero neotrópico, Bothrops, porque estas ultimas são todas reconhecidamente ovo-vivíparas ..."

R.R. Mole, de Port of Spain, Trinidad, parece ter sido o primeiro a levantar a hipótese da oviparidade em Lachesis. No livro de Ditmars, 'Reptiles of the World', de 1910, há uma foto de Mole onde uma Lachesis repousa sobre ovos, 'que foram considerados como seus'.

No artigo de Amaral, lemos que desejoso de que 'suas observações fossem confirmadas', Mole chegou a enviar uma surucucu viva e supostamente gravida para Ditmars, então curador de répteis do NY Zoo, na esperança de que houvesse postura de ovos e encubação dos mesmos num ambiente mais controlado. A cobra morreu durante a viagem, e a duvida permaneceu.

Amaral então nos relata que em 6 de dezembro de 1921, o Professor Pirajá da Silva, em Maraú, Bahia, recebeu do Sr. José D'Almeida Sobrinho uma surucucu viva, que rapidamente faleceu na caixa onde havia sido guardada, e que a mesma havia depositado 'onze grandes ovos' naquele recinto.

Cobra e ovos foram enviados para o Butantã, onde Amaral os estudou, concluindo então pela oviparidade em Lachesis, em 1925. Abaixo a prancha original do artigo de Amaral, bem como a tabela por ele elaborada para a diferenciação Lachesis x Bothrops, agora incluindo a oviparidade das surucucus.





O titulo original do artigo de Amaral é 'Sobre Lachesis muta DAUDIN, 1803, especie ovípara', Revista do Museu Paulista, março de 1925.