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segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014
Timothy e eu
Com um bom atraso, e com minhas desculpas, respondo à pergunta de três leitores: 'que papo é esse de homem-urso' ?
Duas matérias citam essa 'semelhança' entre Timothy Treadwell e eu: na BBC de Londres http://www.bbc.co.uk/news/magazine-24396013 e na revista piauí
http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-83/questoes-ofidicas/cobra-criada
Timothy viveu por 12 verões consecutivos entre o ursos pardos do Alaska, desarmado, e numa proximidade que por vezes permitia o toque. Morreu no decimo terceiro verão, comido por um deles.
Assisti ao documentário do Herzog sobre sua vida pelo menos umas vinte vezes, tentando captar cada nuance do inglês, para ir mais fundo no personagem.
Meu interesse veio do fato de que eu não considerava essa interação possível. Como não acho possível que humanos se aproximem dos grandes felinos, em ambiente natural, e vivam para contar.
Por DOZE verões Timothy voltou para contar. As centenas de horas de vídeo que filmou mostram esse impossível acontecendo, dia após dia.
Timothy arriscou botar em pratica uma visão de que quando bem alimentados, não hostilizados e enfrentados em seus próprios termos - grunhidos, postura corporal e defesa do território - os ursos tem cérebro o suficiente para optarem por não se arriscar com essa coisa diferente, os humanos.
São absolutamente aterrorizantes as cenas filmadas com tripé, e nas quais ele não dá um único passo para trás (defesa do território) quando animais gigantescos se aproximam de forma sabidamente predatória: cabeça e orelhas baixas, e salivando. Com uma sequencia de grunhidos, gritos, e saculejadas de ombro, Timothy fazia estes ursos (bem nutridos), 'repensarem' sua intenção.
Confira: https://www.dailymotion.com/video/x1puv2g
Mas a mente de Timothy oscilava por demais. Desde sempre. Descobriu nos ursos e sua preservação a sua razão de viver, se queria viver, não sei.
Numa dessas oscilações mentais, resolveu voltar ao seu acampamento muito tarde na estação. Os ursos da costa, seus conhecidos, estavam alimentados e hibernando. Ursos velhos, desnutridos, do interior, agora chegavam ao litoral, em busca de restos de salmão, carcaças, qualquer coisa calórica que lhes permitisse suportar o inverno. Qualquer coisa, gente inclusive. Foi um urso desses que o matou.
Não sei exatamente porque me comparam a ele. Mas dá para intuir: parece que facilito com as surucucus, bichos também mortais, e que em função disso, que eu seja também meio doido. Com esse cabelo, sujeira e expressão abaixo, reconheço que dou margem.
É difícil para quem esta de fora perceber, mas temo, respeito e não brinco com estes animais. Manipulo Lachesis sem imobilizar sua frágil porção cervical ('free-handling'), porque aprendi que essa é a regra de ouro para quem pretende longevidade de seu plantel. E dentro dessa regra há uma outra regra: em hipótese alguma, quem faz 'free-handling' pode ver, ao mesmo tempo, as duas fossetas loreais do animal que manipula. Se estiver vendo, já é alvo. Já foi. Ou já era.
Bernardo Esteves, autor da matéria da Piauí, perguntou-me 'se meu décimo terceiro verão chegaria', ao que respondi que 'a paternidade me tirou o direito ao suicídio'. Espirituoso, mas não é bem assim. Pearn, Covacevich e Richardson, do Royal Children's Hospital, Brisbane, Australia, autores do artigo 'Snakebites in herpetologists', demonstram que herpetologia como a nossa é atividade de alto risco, que herpetólogos experientes sofrem um acidente potencialmente fatal à cada 10 anos, e que a prevenção começa por se reconhecer esse risco. Sendo ou não pai, se vacilar, o décimo terceiro verão chega sim. Essa seria a resposta correta ao jornalista.
Temos animais excepcionais nascidos em Serra Grande. Sua calma e seu porte impressionam. Um deles voou em minha cara outro dia, sem aviso. Se eu não considerasse a possibilidade de comportamento atípico, poderia estar morto. Confira esse episódio: http://lachesisbrasil.blogspot.com.br/2013/08/mea-culpa.html
Parece que Timothy travou aqui: ignorar a possibilidade do comportamento atípico. Infelizmente.
terça-feira, 18 de fevereiro de 2014
Em resposta a leitor do blog: a questão do espaço
Não há nada mais importante na lida com Lachesis que o espaço físico. Sim, o animal é dócil, mas é também 'aquela que dá botes repetitivos', do verbete 'surucucu', em Tupi-Guarani.
Como já vivi tanto docilidade quanto agressividade extrema na lida diária, no Núcleo Serra Grande só manipulo Lachesis dentro de um 'octógono de MMA', literalmente, vide imagem abaixo: a ideia é nunca ser encurralado.
Eu nunca sedo animais com neve carbônica para a lida. O halotano pode ser usado na contenção, mas em procedimentos cirúrgicos.
Essa é a primeira e mais importante orientação que passo aos interessados em trabalhar com o gênero: com este animal especifico, a distancia segura é sempre um pouco além do que se imagina.
Confira também:
http://www.lachesisbrasil.com.br/download/BulChicagoHerpSoc_Vol41Num4pp65-68%282006%29.pdf
http://lachesisbrasil.blogspot.com.br/2013/08/mea-culpa.html
http://lachesisbrasil.blogspot.com.br/2013/07/sobre-o-duplo-s.html
Abaixo texto de Bernardo Esteves, sobre o 'octógono':
http://revistapiaui.estadao.com.br/blogs/questoes-da-ciencia/geral/serpentes-no-octogono
sexta-feira, 1 de novembro de 2013
Sobre uma brutal covardia
Para a historiografia oficial, bem ilustrada em 'Os Sertões' de Euclides da Cunha, os eventos de Canudos foram mera restauração da ordem, quebrada por um bando de lunáticos.
Os adjetivos que se seguem são todos da obra supra citada e foram compilados por Diogo Mainardi. Os "fanáticos" - para mim, fiéis - de Antônio Conselheiro eram: uns “broncos”, uns “primitivos”, uns “retardatários”, uns “retrógrados”, uns “impotentes”, uns “passivos”. Eles eram também “uma turba de neuróticos vulgares”, de “desvairados”, de “desequilibrados incuráveis”. Eles eram “uma gente ínfima e suspeita, avessa ao trabalho, vezada à mândria e à rapina”. E por fim, eram dotados de uma “moralidade rudimentar”, com uma série de “atributos que impediam a vida num meio mais adiantado e complexo”, um retorno “ao estádio mental dos tipos ancestrais da espécie”.
Por partes:
Começo pela opinião pessoal de que Euclides da Cunha errou feio em Canudos, muito provavelmente em função de limitações de sua própria personalidade racista. Ele não percebeu nem de longe o significado social do acontecimento, preso que estava às suas concepções do desequilíbrio biológico e psicológico daquela gente, para ele, uma sub-raça fruto da miscigenação. Euclides acertou ao declarar que o que se deu ali não fora aplicação da lei, mas vingança.
Segundo: o Exercito estaria ali para restaurar qual ordem ? No sertão da Bahia do seculo XIX havia uma economia gravitando em volta da grande propriedade monocultora, uma sociedade caracterizada pela ignorância da maioria, de relações escravistas de trabalho, de violência contra os humildes, o mundo dos 'coronéis'. Nesse ambiente nasce uma comunidade auto-suficiente inclusive do ponto de vista religioso, de iguais, que trabalhavam a terra em beneficio de todos, e onde não havia violência. Menos trabalhadores para os coronéis, menos fiéis para a Igreja católica. Este era o cenário.
Terceiro: sobre o tal Conselheiro, também muita lacuna na historia oficial. Para mim muito mais que um lunático. Nascido em Quixeramobin, Ceará, em 1828, Antonio Mendes Maciel, sobreviveu a uma infância pobre e violenta, tornando-se bom aluno na Escola do Professor Fernando Nobre, onde destacou-se em geografia, português, francês e latim. Com o comercio do pai falido, tornou-se professor em fazendas, foi caixeiro viajante, escrivão de Juiz de Paz, e em Ipú foi advogado provisionado, um prático, sem diploma.
Estes oficios por um lado permitiram a Antonio conhecer por dentro a 'justiça dos sertões' (ou a falta dela), e por outro, permitiram-lhe o desenvolvimento da oratória e do poder de dissuasão.
Contratempos marcaram o fim de seu casamento e lançaram-lhe numa vida de andarilho, sobrevivendo da construção, conserto ou reforma de igrejas e capelas pelo sertão. Não mendigava.
Inspirado por Padre Ibiapina, um homem que fazia intensa obra social nos sertões do Ceará, Antonio passou a ser pregador de uma versão pessoal das mensagens bíblicas, auxiliando, ouvindo e aconselhando os aflitos. Em 1874, aos 46 anos de idade, ao fixar-se em Itapicurú de Cima, Bahia, já atraia para si multidões, e já era "O Conselheiro".
Coronéis que perdiam trabalhadores, padres católicos que perdiam fiéis, e autoridades constituídas que perdiam voto de cabresto, começam a ver com desconfiança aquele "grupo de fanáticos seguindo um louco", e iniciaram-se as perseguições. Antonio foi preso, enviado a Fortaleza, inocentado das imputações, retornado à Bahia justamente na pior das secas, entre 1878 e 1880, período esse em que atuou mais que nunca no amparo aos flagelados, ampliando sua fama de homem bom e justo, e atraindo mais e mais seguidores.
Em fevereiro de 1882 o arcebispo baiano D. Luis Antonio dos Santos faz correr uma circular entre sua base ou freguesia, alertando contra a presença de um mistico de 'moral excessivamente rigorosa' que vinha atraindo para si atenção do povo, e determinando que os párocos proibissem seu rebanho de se reunir para ouvir a doutrinação do Conselheiro, que por sinal era tão sincero em seu catolicismo, e tão rigoroso em sua vida pessoal, que a Igreja católica não teve como excomungá-lo ou trata-lo como herege. O Conselheiro nunca realizou milagres ou curas, e nunca fez profecias. O objetivo de contê-lo devia-se à ameaça que ele representava à hierarquia do monopólio da fé.
As proibições da Igreja não o afastaram do povo, e assim, partiu-se para ação politica para detê-lo. Em 1883, à pedido da Diocese, o presidente da província da Bahia, Bandeira de Melo, faz uma tentativa de enviar o Conselheiro para um hospício no Rio de Janeiro, sem sucesso.
Com a Lei Áurea em 1888, passa a ocorrer a natural incorporação de ex-escravos ao Movimento.
Proclamação da Republica em 1889, Antonio vivera 61 anos sob as Leis do Império (1822-1889). Sua visão de mundo não concebia a separação de religião e politica, e ele via na Republica uma exterminadora da religião.
A própria Constituição Republicana de 1891 lhe garantia o livre direito de ter e defender uma opinião politica, mas o jogo foi mal jogado, e sob o pretexto de domar uma desobediência civil, alinharam-se agora contra Antonio e o Movimento, a Igreja e o Estado.
Nesse ambiente, qualquer pretexto serviria para ações de 'restauração da ordem', e á partir de 1893 ocorreram os primeiros conflitos armados, forçando Antonio e seu grupo no rumo norte, das caatingas e duríssimas serras áridas.
Após dias de caminhada chegaram às margens do Rio Vaza Barris, onde havia uma fazenda de gado abandonada e uma igreja em ruínas, decidiram ficar. Era 1893, e nascia naquele local o sonho do contraponto ao grande engenho de açúcar do litoral e sua sociedade vertical, uma comunidade sem autoridades católicas ou politicas, nem coronéis, nem leis republicanas, juízes, impostos arbitrários, policia, e onde a terra era de todos.
Em 4 anos, Canudos chegou a ter 25-30 mil habitantes, e 5.400 casas. Uma fortaleza labiríntica de barro vermelho, auto-suficiente, pacifica e organizada, um oásis no sertão norte da Bahia, refugio de aflitos e necessitados, novo e único lar de muitos ex-escravos. Uma originalidade ameaçadora, que logo recebeu o rótulo malicioso e calculado de 'foco de restauração da Monarquia', numa ação de intriga orquestrada pelo missionário católico italiano, João Evangelista de Monte Marciano. Era a senha para o recrudescimento que viria a seguir.
Em novembro de 1896, com 100 soldados. Em janeiro de 1897, com 600 soldados. Em fevereiro e março de 1897, com 1200 soldados: três expedições do exercito brasileiro foram vergonhosamente derrotadas pelos 'passivos' de Euclides da Cunha, municiados de armamento primitivo, mas mestres da guerra de guerrilha e desprovidos de medo.
A quarta expedição contra os desdentados era uma questão de honra, de vingança de classe, e de politicagem. Em 1897, sob o pretexto de deter miseráveis em processo de 'restauração da Monarquia' (!), foram reunidos na Bahia 20 batalhões de vários estados, num total de 4.500 homens, com 7.500 kg de munição, um canhão 32 Withworth de 1700 kg, puxado por 10 parelhas de bois, alem de 12 outros canhões menores.
A luta durou 4 meses e foi pau a pau, casa a casa, corpo a corpo, apesar da desigualdade de forças. Em 05/10/1897 caíram os últimos combatentes da resistência de Canudos: 1 velho, 2 adultos e uma criança. De novembro de 1896 a outubro de 1897, cinco mil soldados morreram nas campanhas.
Todos os prisioneiros foram degolados. Nas palavras de Euclides da Cunha: "aquilo não era ação severa da lei, mas vingança". E ainda: "Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a historia, resistiu até o esgotamento completo"
Antonio Conselheiro falecera 12 dias antes do assalto final, seu corpo foi exumado e sua cabeça decepada e entregue ao Instituto Medico Legal Nina Rodrigues, de Salvador, para constatação de sua psicopatologia. Segundo o Nina, tratava-se de "um cranio sem sinais de degenerescência, normal".
Parecia que assim se fechava então a historia de Canudos, mas acho que não. O tema inquieta, é mal contado. O que ocorreu ali foi nossa grande guerra civil, uma brutal covardia, um crime absurdo contra o povo nordestino e contra todos nós, uma tragedia injustificável nascida de conchavo, demagogia e mesquinharia de um lado, e de outro, a luta contra a miséria, o abandono e a politicagem.
terça-feira, 15 de outubro de 2013
Proposta de padronização
Em gente e em animais, a hemorragia digestiva alta e baixa tem sido prevalente nos acidentes laquéticos no Sul da Bahia.
Considere o envenenamento clássico (no Sul da Bahia):
O paciente já está hipotenso pelas ações do tipo cininogenase e dos peptídeos potenciadores da bradicinina, induzidas pela peçonha laquética.
Há lesão vascular direta pelas hemorraginas, e perda para o terceiro espaço.
Há diarreia e vomito, reduzindo o volume liquido circulante.
Hemorragia digestiva, muitas vezes ultrapassando 1 litro de perda sanguínea por episódio de hematêmese (vômito sanguinolento), pode vir a ser 'a pá de cal' que lançará o paciente no choque hipovolêmico (PAM < 60 mmHg), baixa perfusão, insuficiência renal e toda a série de complicações que a acompanham.
Assim sendo, melhor não dar chance à intercorrências, sendo prudente o uso de omeprazol e ranitidina venosos na prevenção de complicações decorrentes de hemorragia digestiva alta e baixa no acidente laquético no Sul da Bahia, e muito possivelmente em todo o sul do rio Amazonas.
Para adultos com hemorragia volumosa já vigente, eu prescreveria:
1) Omeprazol 40 mg, 02 frascos (80 mg), em 50 ml de SF 0,9%, EV, 12/12 hs.
2) Ranitidina 50 mg, 02 ampolas (100 mg), em 20 ml de ABD, EV, 8/8 hs.
Para adultos com hemorragia moderada, ou como forma de prevenção, eu prescreveria:
1) Omeprazol 40 mg, 01 frasco, diluir em 20 ml de ABD e fazer EV, 12/12 hs.
2) Ranitidina 50 mg, 01 ampola, diluir em 20 ml de ABD e fazer EV, 8/8 hs
A foto acima ilustra um episódio moderado de hematêmese (< 200 ml, em coágulos), que atendi á poucos minutos (15/10, 16 hs).
Quanto à doses pediátricas, não gosto nem de pensar. Vejo morte em 15 minutos, como ocorreu com o pequeno Jacques do Amor Divino, no entorno de Itacaré, BA. Quando entrevistei os familiares, a mãe me disse: "não deu tempo de tomar nem um comprimido Doutor". Foi um acidente laquético com múltiplas picadas, quando a criança saiu de casa à noite para urinar, pisando numa surucucu. Na hipótese deste paciente chegar à unidade hospitalar, a prevenção e tratamento das hemorragias digestivas se daria da seguinte forma:
1) Ranitidina, 2 mg/Kg/dose, EV em ABD, 12/12 hs
2) Omeprazol, 0,7 mg por Kg de peso/dia, EV em ABD.
Manifestações de hemorragia digestiva baixa são mais tardias. Fezes em cor de 'borra de café', escurecidas, tecnicamente chamadas de 'melena', indicam sangue abaixo do estomago, extravasando e sendo digerido. Presenciei melena de cerca de 2 litros, na decima sexta hora de evolução de acidente laquético, com paciente em hipotensão severa.
sábado, 12 de outubro de 2013
Sobre o o extrativismo de colarinho branco, as 400 lachesis mortas, e outros causos medonhos
Já fui acusado de 'venda de veneno' por um grande da herpetologia nacional, mas a verdade é outra
http://lachesisbrasil.blogspot.com.br/2011/01/os-essenciais-6-argolo-anibal-marcelo-e.html
Sexta feira, 30/10/2009. Hotel Casablanca, Itabuna, Bahia. Na mesa do café da manhã, e ao lado da minha fonte insuspeita, dois figurões e uma figurona, do Instituto Butantã, discutem alegremente como conseguir guias de transporte animal falsas, para a esquentar a carga ilegal que rumava para São Paulo e que os aguardava no quarto: veneno de surucucu (extração não autorizada pelo Ibama / ICM Bio, realizada na antiga Mãe Joana, a CEPLAC*), sapos e girinos, talvez cobra viva. Extrativismo ilegal do colarinho branco.
*Dras Aline e Samanta, do Núcleo de Fauna do Ibama, Rio Vermelho, Salvador, e Dr. Djalma N. Ferreira (Ibama PNUD) botaram fim à farra. Menos munição para os inimigos, que procuram desde sempre associar-me a todo o veneno de surucucu que surge 'do nada' no sul da Bahia.
Há outras formas de extrativismo na região, como o extrativismo de sobrevivência, legal e ilegal. Na ida para o trabalho em Serra Grande hoje, dei carona para Sinho. Pescador, forte, vinte e poucos anos. tem um irmão que parece seu gêmeo. "O senhor que gosta dessas coisas escute só ...". Sinho sabia de coisa que eu gosto de escutar (?), e prosseguiu (os parenteses com explicações são meus):
'Estávamos lá fora (pescando em alto mar com a jangada da Bahia, toras de madeira unidas, sem acabamento) quando ele (o irmão) deu de assoviar e eu disse: 'pare com isso'. Nessa época tem baleia e eu vi que estavam no pesqueiro. Assovio atrai elas. E ele não parava com aquilo. Só parou quando a primeira chegou junto. Aí ele parou e já chorando. E eu disse: 'não te falei, e agora ?' A jubarte vei chegando e eu ví o olhão desse tamanho assim, me encarando de lado. Depois passou por baixo e veio se coçar. Pensei: 'agora morro', mas piorou. Botou uma mão dentro da embarcação, que ficou de pé assim (explica que a jubarte repousou a beirada da nadadeira dianteira direita sobre a borda da jangada, elevando a outra extremidade, onde os irmãos estavam empoleirados, em quase 90° em relação à superfície do oceano). E aí foi só reza Doutor. Peguei com Deus e ela foi embora. Não sei se volto mais para o mar. Por mim nem ia, mas tem os meninos, o Senhor sabe ..." Sinho acertou, isso é coisa que eu gosto de escutar, viajei.
Sinho e irmão representam o extrativismo legal de sobrevivência, duríssimo. Gilmar representa o extrativismo ilegal de sobrevivência. Voltava de Serra Grande hoje, quando o vi com essa Irara (Eira barbara) ou 'Papa-mel': uma fêmea amamentando. Pedi a foto, conversamos um pouco. 'Tem carne aqui' ele me disse feliz, rumando para casa. Eu, de barriga cheia, é que não vou fazer discurso. Mas posso empregá-lo se tudo der certo. Se Gilmar fosse pego nessa situação era cadeia. Se os figurões fossem interceptados no aeroporto, não tenho tanta certeza.
O extrativismo no NSG ainda não começou. Há a trilha da legalidade a percorrer. Por enquanto só aprendemos e ensinamos outros grupos a entender a surucucu, dentro e fora do Brasil, com frutos.
Nosso trabalho tem ajudado outros serviços, no Pará, Costa Rica, Venezuela e Colômbia, e por questão de segurança, é norma uma reciclagem contínua nos princípios básicos da lida com Lachesis.
Hoje abordaremos imobilização manual de Lachesis, o básico do básico. Essa reciclagem fica à cargo de quem mais entende do tema, professor José Abade. Para os videos abaixo fui escutá-lo, na quinta feira última, foi quando ouvi das '400 (quatrocentas) lachesis' ...
A imobilização manual de Lachesis não é simples, e é necessária no manejo, laço jamais. Já fiz o procedimento às centenas mas vou ver e rever esses videos por muito tempo.
Lachesis não sobrevive ao manuseio amador do traficante médio, desabastecendo a ponta. Esse e um dos motivos da sofisticação do trafico de Lachesis no Brasil; tem traficante capaz de produzir filhotes.
Enquanto finalizava esse texto recebi algumas imagens do Marcelo, que finalmente consegue viver de mergulho, e de uns poucos peixes, como essa garoupa excepcional, arpoada a 40 metros, em apneia e igualdade de condições. Extrativismo legal em estado de arte.
segunda-feira, 7 de outubro de 2013
Réquiem para mim mesmo
Meus filhos se sairão melhor na vida do que eu. Ontem foi aniversário de Luquinha, 11 anos, e foi ele quem me presenteou com seu pragmatismo precoce.
É que a BBC de Londres iniciou uma divulgação de nosso trabalho em Serra Grande. O programa de radio atinge 180 milhões de pessoas. O texto escrito não menos que 100 mil. E junto com o trabalho em Serra Grande, a BBC menciona a critica que faço ao projeto Porto Sul, o que levou tanto Luquinha quanto Gabriel à arrepios: "O que você ganha com isso papai ? Esses caras vão te fuder ..."
O texto da BBC está aqui: http://www.bbc.co.uk/news/magazine-24396013
Após ser eleita, Dilma Rousseff foi descansar na casa de meu amigo João Paiva, perto do Núcleo Serra Grande. É a casa mais bonita que conheço. Foi o ultimo trabalho de Claudio Bernardes, 'gênio sem diploma, psicólogo de seus clientes' http://www.bernardesarq.com.br/pt-br/escritorio A beleza maior da casa é o dialogo que ela faz com o ambiente. A chuva corre dentro da sala, com força. Os quartos são plataformas como que lançadas à copa da mata atlântica. O mar e o horizonte emolduram o conjunto de onde se avistam as jubartes.
Todo esse cenário desaparecerá - salvo veto superior - cedendo espaço para gigantes cinzas em manobras, vazando suas excrecências no entorno, como em todos os mega portos de que se tem noticia. Antes do porto em si os trilhos do trem numa área de proteção ambiental, 'Patrimônio da Humanidade' pela UNESCO. E bastaria um acordo com a Vale do Rio Doce, dona de trilhos prontos que seguem para Aratu, para que a região permanecesse pura para sua vocação original de encantar pelo que já é.
Tive um sonho, falava a um grupo de umas 20 pessoas serenas, gente próxima dos 60 anos. Estávamos em volta de uma grande mesa dessas de reuniões empresariais, mas era uma mesa rústica. Eu expunha que meus laços de família eram meio à Clarisse Lispector. Uma mulher, representante do grupo, de pé e em postura respeitosa, avaliou em voz alta um diagrama que representava minhas atitudes internas, e sentenciou uma especie de absolvição: 'o que vale é sua alma'. Acordei nessa frase.
Esse sonho tão absurdamente nítido nas nuances, me lembrou de quando eu ainda era místico e comprei um baralho de Tarô, estudei o sistema e joguei cartas para mim mesmo. A carta 'do futuro' deu corretamente em 'O Louco'. Um sujeito de poucas posses, alegremente caminhando com um cachorrinho na beira de um abismo. Não sei de onde vem meu otimismo, talvez da esperança de que o que valha seja de fato a alma.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013
Breno e o Inferno
"O verdadeiro local do nascimento é aquele em que lançamos pela primeira vez um olhar inteligente sobre nós mesmos" (Marguerite Yourcernar, em "Memorias de Adriano"), e assim sendo, Breno nasceu aos 18 anos de idade num CTI no Pará. Picada de coral verdadeira, insuficiência respiratória, ventilação mecânica, um calvário de complicações, dezesseis cirurgias para correção de problemas relacionados à entubação oro-traqueal e traqueostomia.
Foi tempo o suficiente para o menino repensar sua trajetória de precocidades e falta de limites internos, e lançar sobre si mesmo o tal olhar inteligente, renascendo. Confira aqui http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0036-46652010000600009&script=sci_arttext o acidente supra citado, em detalhes.
Conheci Breno através do blog. Escreveu comentado postagens sobre o efeito do veneno de Lachesis nos rins e coração. Biólogo, profissional de campo competente e dedicado, coordenador de difíceis resgates de fauna no Pará, foi também vitima de acidente laquético, e de fato desenvolveu problemas cardíacos e renais crônicos. Em suas palavras: ' ... tive um acidente com Lachesis ... (e posteriormente) o exame cardiológico mostrou batidas descompassadas e o próprio médico falou que não era normal ... e o endócrino falou que tenho os rins de um senhor de 50 a 60 anos ..."
Breno e sua mãe me confirmam a presença de sintomatologia claramente neurotóxica neste acidente: a total impossibilidade de deglutir (nem a própria saliva) já nos primeiros minutos do acidente, cegueira, 'cara de bêbado' (fascies neurotóxica'), além da clássica dor abdominal e sinais de hemorragia digestiva ('diarreia muito escura').
Aqui o acidente em detalhes http://scielo.iec.pa.gov.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-59072007000100007&lng=en novamente em trabalho de Pardal e colaboradores.
No link abaixo nossa posição sobre a neurotoxicidade em Lachesis:
http://lachesisbrasil.blogspot.com.br/2011/05/neurotoxicidade-em-lachesis.html
O braço picado voltou ao 'normal' em oito meses, 'não segurava nem 1 kg' até então. Aos socorristas, chamamos novamente a atenção para o espaçamento entre presas: 5 cm é bicho monstruoso, que nos leva a considerar o acidente laquético já ao primeiro contato com o paciente. Confira abaixo:
Escrevi recentemente sobre o orgulho de 'inspirar a moçada', referindo-me ao fato de que universitários do Brasil, America do Sul e Central nos procuram para estágios em Serra Grande. Aqui deu-se o contrário, 'a moçada' me inspirou.
'Deixai toda a esperança, ó vós que entrai', são os dizeres no portal do Inferno de Dante (1265-1321). Não foi esse o caso de Breno, que em algum lugar de si guardou o desejo de retorno à luz e à sobriedade, e assim procedeu, guiado por uma pequena joia viva, cheia de anéis vermelhos e pretos.
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