Soube que cessaram-se as buscas. Natália permanecerá onde gostaria de estar, no Azul.
Mergulho desde que me entendo por gente, e meus filhos herdaram este gosto pela ausência da gravidade, pelo silencio e solidão do fundo das águas.
Estávamos na Pedra do Benedito, 26 metros de profundidade, quando meu parceiro não voltou. Na busca desesperada encontrei Géo adormecido à meia água. Na respiração boca-a-boca vieram vômitos, onde senti o gosto de álcool da noitada anterior àquele mergulho difícil, e então entendi aquela morte absurda.
Abaixo eu e meu Irmão, meu Dupla, meu Amigo Géo (ainda com o neoprene azul, que herdei), após uma caidinha na Barra do Forte em Morro de São Paulo, 1992, numa foto que dava por perdida mas que me foi enviada recentemente, em mais uma cortesia de sua irmã, Maria ...
A mais tocante reação ao Globo Rural veio de uma senhorinha do interior de Minas, em suas palavras:
'Esse moço deveria arrumar outro serviço, e colocar paredes em sua casa, essas coisas acabam deixando triste quem vive perto dele'. Falava de morte.
Falo repetidamente aqui no blog sobre 'baixar a guarda'. Natália Molchanova tinha 53 anos, foi campeã mundial de mergulho livre 23 vezes, e era capaz de descer a 101 metros, no peito. Morreu a 30 num mergulho banal. Géo era tão largo, e forte, e apto, que não coube no caixão, literalmente.
'Talento' para mim é esforço acumulativo. Meu Gabriel (abaixo), aos três anos, já era um veterano. Hoje aos 15 está próximo de me superar. Se não baixar a guarda.
O que se percebe no rosto dos acidentados que sobrevivem é perplexidade. Como se não soubessem ou não acreditassem que acidentes de fato acontecem.
Cair na real não precisa ocorrer pela via dura. É mais uma questão de observação continua do próprio ego.
Não deixarei nunca a apneia, nem as surucucus, nem o gosto por esta vivo e preparando o terreno para que a vida de meus filhos seja mais leve que a minha. Acho que entendo onde piso.