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quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Abade estava lá




Perdi meu Mestre, tem surucucu no céu. Buraco na rodovia federal, pneu furado, capotamento, Brasil. José Abade me ensinou o principal: o bicho é frágil. Morreu aos 54 sentindo-se 'sem reconhecimento', como me falou um dia.

Não aqui no blog:

http://lachesisbrasil.blogspot.com.br/2010/12/os-essenciais-2-jose-abade-da-ceplac.html

http://lachesisbrasil.blogspot.com.br/2013/10/sobre-o-o-extrativismo-de-colarinho.html






Dylan Thomas - abaixo em tradução de Mauro Faustino - explica que quem escreve, o faz pelo coração do leitor.

Se em meu ofício, ou arte severa,/ Vou labutando, na quietude/ Da noite, enquanto, à luz cantante/ De encapelada lua jazem/ Tantos amantes que entre os braços/ As próprias dores vão estreitando —/ Não é por pão, nem por ambição,/ Nem para em palcos de marfim/ Pavonear-me, trocando encantos,/ Mas pelo simples salário pago/ Pelo secreto coração deles

Dia desses recebo a mensagem abaixo. Na integra, negrito da autora:

De antemão, peço desculpas pela extensão do email.

Bom, primeiro a apresentação: J, X anos, amante de répteis e outros animais e como a maioria das pessoas que te escrevem, admiro muito o seu trabalho com as Lachesis e não somente, como médico.

O motivo desse e-mail, o qual levei dias para terminar de escrever e mandar, é o seu último post no lachesisbrasil, "Nossos votos, em tempos de plantar, em tempos de correr", o qual tem me incomodado desde que li, provavelmente há mais de uma semana.

Sou leitora do seu blog há algum tempo, um ano ou mais, mas sempre fui uma daquelas fantasmas, que só lê, admira, concorda ou discorda e não comenta.

Nesse tempo, foram vários os posts que você esteve realmente muito puto com seja lá quem ou o que, desde homeopatia até acusações falsas. Porém, creio que nunca houve esse momento em que você disse 'ok, é o fim da linha, desisto'.

E eu me pergunto, porque diabos iria dar certo você desistir. Você falava em programas de estágios e ensinava um menino de 14 anos a extrair e liofilizar veneno há algumas postagens atrás. Não lembro quando, só lembro que houve uma época que pimpolhavam cartinhas de herpetólogos famosos te apoiando. Uns posts sobre cento e poucos países que visitam um blog de um 'médico fracassado' etc e tal. Em que lugar se tem um pesquisador assim? Que se dispôs a criar um plantel e uma linha de pesquisa maravilhosa com lachesis e fazer tudo certinho, em ordem, sem nunca ter usufruído de uma teta da CAPES/CNPq como a maioria dos pesquisadores faz? E vamos perder um guerreiro desses para a merda do IBAMA? É, me exaltei. Porque ao mesmo tempo que te dou toda a razão para desistir acho a maior besteira. Seus filhos têm um ótimo pai e você está certíssimo em pensar no futuro deles (É bem provável que eu te admire mais como pai desses dois meninos sortudos do que como pesquisador e médico). Eles têm a mesma diferença de idade que eu e minha irmã temos e eu sei o quão sofrido é e foi para a minha mãe nos criar, ainda mais nessa fase X - Y anos. Sei também o quanto eles vão te encher o saco para torrar teu dinheiro seja com coisas fúteis ou com o futuro. E essa grana investida no NSG vai fazer uma puta diferença. No entanto, o fim do NSG, também vai.

Eu não sei bem qual o objetivo desse email, na verdade. Porque não te conheço, entretanto, você me parece uma daquelas pessoas bem chatas que quando colocam uma coisa na cabeça é difícil tirar (veja bem, isso é um elogio). Eu trabalhei como voluntária dentro de um CETAS em XXXX e vi só a pontinha do iceberg que é a morosidade e incompetência do IBAMA. São já treze anos de desserviço com o NSG. Portanto, honestamente, não acredito no potencial de sair a liberação em um semestre. Se os caras querem te ferrar eles vão, ainda mais agora que você deu a corda para eles te enforcarem.

Só que se o NSG deixar de existir, porra, um trabalho único com as Lachesis vai deixar de existir. Só você sabe que ninguém no mundo (nem a mãe natureza) conseguiu manter lachesis tão gordas, bonitas, e saudáveis como o NSG. Você desenvolveu teus próprios métodos de contenção, de reprodução e cuidados extras. As várias publicações com o veneno da lachesis. Teu trabalho foi reconhecido por pesquisadores, especialistas, institutos de diversos lugares do mundo... Vital Brazil, Renctas, Funed, ad infinitum. Enfim, eu não preciso ficar falando as inúmeras conquistas do NSG porque elas são as tuas conquistas, porque quem fez acontecer foi você.

Sei lá, eu olho para tudo isso e vejo que antes de desistir dava para se tentar mais um pouco. Só para encher o saco do IBAMA, entende? Quem sabe montar um programa de estágio lá no NSG cobrando a estadia. Tem tanto louco querendo ir pra lá, aposto que pagariam para dormir em barraca e acordar com surucucu no pé. Ou quem sabe procurar uns patrocínios internacionais de redes filantrópicas, ou no mais desesperador final, vender umas camisetas com surucucu na frente (são 5000 acessos no blog por mês, não são?). Não sei, Rodrigo. Juro que se eu tivesse dinheiro, ou ganhasse na mega-sena, eu não hesitaria em ajudar o NSG

Enfim, você já leva 'Cançado' no nome, eu imagino o motivo, e só estou aqui te enchendo o saco pedindo para não desistir das últimas surucucus do Brasil só para sambar mais um pouco na cara do IBAMA.

Por último, de um post seu perdido:

"...E um dia uma sucuri enorme encalhou na praia, no centro da cidade, e eu a resgatei. E o povo viu e gostou e passou a contar comigo quando bichos perigosos assustavam. Fui a pessoa certa, na hora certa, sem planejamento. E da lacuna do Estado para resgate de fauna ameaçada cheguei às surucucus, e as compreendi como ninguém, e mergulhei na Lei e na burocracia para dar-lhes vida, e assim seguem-se 11 anos emplacando um dia de cada vez, em meio a tantos riscos e custos."

Se você chegou a ter tempo de ler esse email cheio de erros gramaticais e frases desconexas, obrigada por tê-lo feito. Sei que não tenho a autoridade ou importância das pessoas com quem você geralmente mantém contato, muito menos a idade da sabedoria, mas ainda assim resolvi mandá-lo por pura necessidade da consciência.

Se realmente chegar a desistir do NSG (ou não!) ainda assim, acho que como brasileira e admiradora das lachesis, posso e devo agradecer, do fundo do coração, por todo o seu trabalho e esforço realizado para salvar as últimas surucucus da Mata Atlântica.

Sinceramente,

J


Euclides da Cunha via metafisica e missão no escrever. Em uma carta a Alberto Rangel de 20/03/1905, dizia: '... tenho a crença largamente metafisica de que nossa vida é sempre garantida por um ideal, uma aspiração superior a realizar-se. E eu tenho tanto que escrever ainda ...'

Dylan Thomas e Euclides da Cunha embolados em mim. 'Missão' é algo que cheira à arrogância. Como se uma força superior tivesse algum/alguém como 'o escolhido' para algo. Entendo melhor acaso, oportunidade, vontade, trabalho e persistência no tempo. Quanto à 'metafisica', estranho e improvável que eu acabasse vivenciando o tal ÁGAPE, no retorno (preocupação) de uma leitora (acima) de um blog sobre a preservação de uma cobra especifica.


Passei 15 dias no mato, e só ao voltar soube da dimensão da 'crise' da água em Minas e Rio e não mais em São Paulo somente ... aquela mesma água e seus humores variáveis, que foi a grande graça destes dias.







Como está sendo ocultado um aumento de 226% no desmatamento amazônico (em 2014), e com isso a atmosfera tende a ficar cada vez menos úmida, triste pensar que é chegada a hora de dar adeus à fartura. Importante ressaltar contudo, que não é somente a desertificação do Norte brasileiro a responsável pelo baixo registro pluviométrico recente no Sudeste, zonas de alta pressão atmosférica no território brasileiro tem impedido a entrada de frentes frias, e para muitos este tem sido o fator determinante para a ausência de chuvas, confira:

http://epoca.globo.com/ideias/choque-de-realidade/noticia/2015/03/seca-bnao-vemb-da-amazonia.html





Entenda melhor a atual 'crise' hídrica, na verdade um evento previsto, com advertencias formais que remontam à 2003:

http://sustentabilidade.estadao.com.br/blogs/dener-giovanini/crise-hidrica-que-crise-nao-existe-nenhuma-crise-hidrica/ 

Saiba mais do porvir:

http://brasil.elpais.com/m/brasil/2014/08/14/sociedad/1408010925_555437.html
http://lachesisbrasil.blogspot.com.br/2014/09/caa-ete.html


Em Serra Grande tenho reproduzido os ensinamentos de Ernst Goetsh e me movo em sentido contrario à essa tendencia de suprimir a vegetação, pensando na preservação de nossa nascente. Objetivamente, e valendo-me de mudas a R$ 1,00 na região, construo no momento, do zero, uma floresta (experimento agroflorestal) de 1 hectare. em solo pedregoso. Do ponto de vista psicológico, isso me indica que pretendo persistir para além das minhas palavras.

A floresta que construo é 'catada a dedo', e vai mostrar seu rosto em 10 anos, cheia de celebridades. Jabuticabeira Sabará, 'dama-da-noite' (pelo perfume), cedro rosa australiano (que o homem extinguiu), meu cedrinho do Caraça (agora 'pego', e com dois anos), sessenta especies de arvores frutíferas (no estrato de sete metros). Estratos são niveis de altura das copas numa mesma floresta. Estrato superior: arvores 'de lei' de crescimento rápido (como o cedro rosa) e que chegam aos 30 metros de altura, estrato médio (o das frutíferas de até sete metros de altura), estrato inferior (frutíferas baixas, tipo pitanga, mangostão, café, e todo arvoredo nativo que surja espontaneamente), e a 'placenta', que é o solo em si, e que recebe aipim, feijão de corda, amendoim, raízes uteis, fixadoras de nitrogênio. Nada mais é queimado. Tudo o que é orgânico é deixado em decomposição, em transformação para terra vegetal. A pessoa de quem comprei os 4 hectares do NSG era carvoeiro, não precisa explicar muito o que comprei.

Aí a noite cai. E a noite é das surucucus, e tudo fica melhor em Serra Grande. Tem um aspecto de sonho em tudo isso.






Nasce o dia e observo que a mata respira .... Hora da lida.






Técnicos experientes (Ibama) que presenciaram meu manejo alarmaram-se ao ver o tamanho (e tipo) dos ganchos que uso para Lachesis: 'mas é com isso que o Sr. vai entrar aí ? (dentro do viveiro)' ...

Sempre esperam laços de 3 metros de comprimento, importados, mas nunca isso (abaixo) ... 70 - 80 cm de humildade tôsca ...





O pequeno artefato nos permite 'esgrimar' se for o caso. Certa vez tirei uma cobra a 30 centímetros do peito de um grande herpetologista - totalmente vendido no movimento rápido e inesperado da surucucu - graças à agilidade que essas varinhas permitem.

Blusão de couro, perneiras até virilha, o restante da indumentária lembra aquela dos vaqueiros da caatinga, meus filósofos favoritos em seus aboios... 'Meu cavalo morreu ontem, minha mulher no outro dia, do cavalo tive pena, da mulher tive alegria. Pôs cavalo bom é dificil e mulher ruim tem todo dia!!!'





Olhando para o 'octógono' (abaixo) depois do pau quebrar (vermifugar, ou enfiar à força um comprimido na goela de todas as cobras), uma sensação de acerto na singeleza do projeto. Espaço para fugir (eu). Mesa de manejo bruto. E o grande, essencial Bushamp ... 'você é burro papai, devia ter patenteado essa merda ... ' disse Luquinha.







Quem diria que minutos antes ocorria aqui aquele raro instante em nossas vidas, o do foco total, necessário para aplicação de rifampicina spray numa barriga sob ataque bacteriano ...






.. ou à pesagem de um brutamontes de 8,290 quilos, que não entrou espontaneamente nessa caixinha ...






E deu tudo certo mais uma vez, porque 'reconhecemos o risco', e porque Abade estava lá. E deu mais certo ainda porque temos algo novo sob o sol a apresentar, a colocar em discussão. Explico.

Ao me convidar para escrever o capitulo 'Acidente laquético' de seu livro, Dr. João Luis Cardoso pediu: 'não quero revisão de revisão, quero sua experiencia'. E dessa solicitação de risco de Dr. João, surgiu muita coisa nova na clinica dos envenenamentos. Enquanto isso, em 'revisões de revisões' (um autor escrevendo baseado em outro, sem acréscimos da experiencia prática), um chavão permanecia intocável: 'a fraca potencia do veneno é compensada pela grande quantidade injetada'.

Sobre a 'fraca potencia do veneno', já falei aqui: http://lachesisbrasil.blogspot.com.br/2013/09/a-mais.html

Sobre a 'grande quantidade injetada' falo agora: é mito. Mesmo dos maiores exemplares dificilmente alguém conseguirá extrair mais de 2,0 ml de veneno. Grandes Bothrops jararacuçu frequentemente liberam 5,5 ml numa extração, podendo chegar aos 6,7 ml. A media de veneno extraído de Lachesis adultas não ultrapassa a 1,0 (hum) ml por individuo.






Falar de veneno, de picada de surucucu, é falar em dor. Dor local violenta, equivalente a sucessivas 'batidas de porta' de um carro na sua mão (se a mão foi o local atingido pelo bote). Temos alimentado essas cobras com ratos vivos, para que elas cacem, se exercitem, e não percam a vitalidade em cativeiro. Fica a questão ética da dor que esses ratos sentem, e o encaminhamento das soluções.

Rato congelado por três meses tem carga parasitaria próxima de zero. Aos poucos estamos migrando para essa linha: abate indolor por câmara de CO2, vide abaixo ...




... e congelamento de indivíduos de 20 e 45 dias (foto) de vida por três meses, aquecimento em microondas e oferta às surucucus ...





Outra questão encaminhada no NSG foi a questão da segurança no manejo em túneis que oferecemos às cobras. Imitando a natureza, intuímos que falsos buracos de paca e tatu deixariam as surucucus mais confortáveis, isso a dez anos atrás. A intuição se confirmou e a primeira reprodução em cativeiro do mundo da surucucu da Mata Atlântica ocorreu em 2007, graças a esse artefato.

Confira: http://www.lachesisbrasil.com.br/download/BulChicagoHerpSoc_Vol42Num3pp41-43%282007%29.pdf


Abaixo o viveiro (hoje peça histórica do NSG) onde se deu essa reprodução. Observe entrada do túnel (foto à direita), e à esquerda a parte mais larga, onde a cobra colocou os ovos (seta amarela) em 2007 (simulados aqui por pedras pintadas). A foto do meio mostra trajeto entre entrada e parte larga.








Se a postura dos ovos ocorre no meio do caminho do túnel, há um problema. Desinfecção desse recinto, idem. Observação da rotina (comportamento) dos animais no interior dos tuneis, impossível.






Sabíamos que a surucucus não estavam nas tocas e galerias de paca e tatu só 'descansando'. Estavam ativas, desenrodilhadas, também caçando, ou digerindo, ou guardando ovos, ou só fazendo uma social entre seus pares, às vezes por dias e dias sem sair do buraco.

Dessa necessidade de observação nasceram os tuneis modernos, os atuais no NSG. Cansei dos riscos do carão no buraco ....





Uma falsa 'entrada natural' (entrada do túnel), leva ao túnel, que leva a uma barraca, no interior da qual há uma 'toca', com aparato de observação.

Na visão geral abaixo, observe na base à esquerda da foto um tronco com argila, cujo final apresenta um tubo, que penetra na barraca ...







O túnel de acesso está no fundo à esquerda dessa imagem abaixo, enterrado sob a maravalha (vide foto menor). No interior da barraca a parte larga da toca, com visor e luz delicada ...








... por onde se observa sem dificuldades a atividade 'fossorial' de lachesis ...






Concluo respondendo a um leitor, em questionamento de hoje, 29/01 sobre portar ou não adrenalina em trabalhos de campo prolongados, leitor esse que já foi picado por opistóglifas e tende a estar 'sensibilizado' e passível em tese a choque anafilático, no caso de nova exposição.

Aos 50 anos eu me achava no melhor do condicionamento físico. Vinha forte em atividades esportivas, continuava descendo próximo dos 20 metros no peito (mergulho em apneia), acabara de fazer 'Os Sete Picos do Caraça'* com meus filhos, como sherpa do grupo, e carregando 35 kg de equipamento à cada cume. Queria muito fazer o Aconcágua, a maior montanha do mundo fora da Asia, e busquei assessoria profissional, com Davi Marski. Gentilmente ele me freou, propondo um programa de condicionamento físico de dois anos a ser seguido à risca. Podia ter me levado a um acampamento base, aguardar que eu afinasse, e levar meu dinheiro. Mas não, salvou minha vida.

* http://lachesisbrasil.blogspot.com.br/2011/11/os-sete-picos-do-caraca.html

E logo ele que já se pendurou na principais paredes desse planeta, veio a morrer recentemente numa escalada em Minas Gerais, por choque anafilático num ataque de abelhas.

O sistema imunológico é traiçoeiro, nunca é totalmente previsível. Tenho e carrego comigo adrenalina em trabalho pesado de campo. Recomendo que gente exposta também o faça, SE, E SOMENTE SE souber usar, souber o que se está fazendo. Erre na mão e poderá provocar uma taquicardia fatal naquele que se pretende ajudar. Considere importar a 'EPI- PEN', caneta de epinefrina que despeja a dose certinha naquele que está próximo de uma asfixia (edema de glote, broncoespasmo), ou colapso cardiovascular (hipotensão, bradicardia), e que teria salvado mais esse meu amigo que se vai cedo, mas tendo visto a vida do alto.




Namastê Davi, e é isso, por enquanto...