Numa postagem anterior eu me recordava de 'A Vida é Bela', com a lembrança do sacrifício de um pai, num esforço para poupar o filho da realidade.
Quantos de nós não estão neste momento repetindo a trama ? Enquanto escrevo vem à cabeça o querido Felix, leitor do blog que não conheço pessoalmente mas que me ligou despedindo-se, pouco antes de abandonar o Brasil em busca de futuro para as filhas pequenas.
Leio no editorial de hoje do Financial Times (23/07) que 'a podridão cresce' neste país, comparado a um 'pesadelo sem fim', e cuja 'magia' foi quebrada por 'incompetência, arrogância e corrupção'. O cenário é recessão por um período minimo de três anos.
Confira:
http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/07/150723_pressreview_ft_hb
Lembro-me do quanto fui politico na entrevista para o Globo Rural. Explicava à super competente repórter Helen (abaixo) que eu mesmo era o culpado pelo trâmite arrastado no licenciamento do NSG: para se montar um serpentário existem passos a seguir, e eu começara do final, pelas cobras. Ao que ela retrucava, 'mas sem planejamento ...', entendendo que eu fui simplesmente a unica opção contra o abate sistemático de uma animal em vias de extinção.
Dr. Vitor Cantarelli já liderou o Ibama na gestão de fauna silvestre, mas optou por afastar-se em função da mentalidade arrecadatória (versus a mentalidade instrutiva) e da visão prevalente no órgão de natureza como museu intocável, sem 'utilitarismos'. Dr.Vitor sempre foi tido como um homem sem meias palavras e sem meias verdades. Recordo-me de atritos públicos seus com a presidência do Ibama, e fortes retaliações em seguida. É um sujeito do qual tenho saudades.
Homem de campo, cientista completo, visitou-me em Serra Grande e não se conteve ao avistar nossa primeira grande Lachesis sob uma canoa da Bahia apodrecida, comprada para servir de toca: ' ... mas que LIIIIIINDA ...', exclamou sincero, mergulhando a seguir numa conversa leve sobre nossas intenções e o potencial deste 'experimento único, modelo para o mundo' para a pesquisa biomédica. O contraponto à visão de natureza 'como museu'. 'Preservação sustentável', onde a banalidade do bem vê 'utilitarismo e exploração':
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/luizfelipeponde/2015/07/1654944-a-banalidade-do-bem.shtml
Outro quadro que deixa saudades é Dra. Nilza Silva Barbosa, do Instituto Chico Mendes (ICM Bio / RAN), que também nos visitou (segunda da esquerda para a direita, abaixo) a muitos anos atrás, perguntou, ouviu, olhou no olho antes de posicionar-se.
Tanto Dra. Nilza quanto Dr. Cantarelli estiveram comigo nas horas mais criticas, a exemplo deste momento http://lachesisbrasil.blogspot.com.br/2012/07/quando-tudo-era-ausencia-esperei.html
A leitura do texto gerou o seguinte comentário:
'Como concordar com uma insanidade dessas ? Como remover animais bem cuidados, ambientalmente adaptados, vivendo em plenas condições de higiene e saúde, para um lugar sem a mínima infraestrutura para recebe-los ? Seria uma CONDENAÇÃO DE MORTE !
Passou da hora dos Órgãos de Meio Ambiente reconhecerem e respeitarem a importância do NSG, principalmente pelos serviços de Educação Ambiental que presta à sociedade.
Nilza Silva Barbosa
Coordenadora da Área de Educação Ambiental do RAN, Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Répteis e Anfíbios, ICMBio'
Hoje, quando o jurídico do Ibama já decidiu sobre a permanência das surucucus em Serra Grande, transformo minha memória em homenagem à estes poucos funcionários públicos que se destoaram no processo de licenciamento do NSG ... 'recomendo que tente se colocar na posição do cidadão', disse certa feita (vide link abaixo) Dr. Cantarelli a um quadro do Ibama BA, concluindo: 'nada justifica uma análise de projeto se arrastar por mais de cinco anos ...'
http://lachesisbrasil.blogspot.com.br/2014/09/vaquinha-sos-nsg-fund-raising-e-obrigado.html
E já se vão doze anos de espera.
Mas estamos em movimento. Tenho motivos para crer que outro quadro do Ibama também tomou para si a indignação com a indiferença do órgão para com o NSG. É fácil sentir quando se é respeitado. Dra. Hanry Coelho representa essa esperança 'em tempos de podridão crescente', além de 'incompetência, arrogância e corrupção' generalizada na esfera pública.
'Os efeitos da burocracia são a idiotice moral, a estupidez intelectual, o amor ao protocolo e o "não" a qualquer forma de originalidade' (Pondé). Em Serra Grande, de forma milagrosa, os 'efeitos da burocracia' ainda não se traduziram em desemprego e decadência, pois somos quatro, e os quatro fundamentais à operação.
Funcionários foram caçadores-coletores eficientes na Mata Atlântica de Serra Grande. Muitos crânios de caititu me foram inocentemente presenteados no inicio dos trabalhos. Uma oportunidade com todas as garantias trabalhistas reverteu o processo. A sonhada geladeira, abastecida, evita os riscos de se adentrar em território de Lachesis à noite, com visão limitada, atrás daquele latido distante, indicativo de 'proteína acuada'. Mas em tempos de estagflação e incertezas quanto nosso licenciamento, e da própria viabilidade econômica do NSG, tenho me lembrado do Christian (de Claudio), abaixo ...
Viver em Serra Grande é ter emoções fortes, uma atrás da outra. Não pelas surucucus, mas pelo frequente estado de fúria dos elementos. Apoio do Instituto Arapyaú que seria revertido para a folha de pagamentos, teve que ser aplicado - com a autorização da direção do I.A - em nosso sistema de coleta e reserva de água, danificado em diluvio recente. Na postagem 'O quinze' (sobre eventos climáticos de outubro/2014) falo de telhados arrancados e muros destruídos, e assim, o descaso oficial somado aos sustos e gastos emergenciais em sucessão, torna cada vez mais difícil a manutenção do dia-a-dia do NSG.
A jornalista Helen, avaliando a plataforma de madeira servida por barracas de camping como abrigo (a sede do NSG), perguntou-me se não desejaria ter 'uma casa normal' em Serra Grande ... respondi que para o nível de interação que busco com a mata, aquela estrutura tosca era 'o ideal', perdendo a oportunidade de nivelar-me com os seres do bem, ao não responder que nosso conforto pessoal - meu e de meus filhos - é a ultima das prioridades em Serra Grande. Mas 'e se uma aranha marrom morder meu pau, papai ?', perguntou Luquinha, com medo do nosso banheiro. Em mais um momento 'A Vida é Bela' assumimos juntos a coerência do receio, transformando a realidade do risco em aventura, com a 'inspeção rigorosa do sanitário, com lanternas', antes de usá-lo. Até o dia em que nosso 'banheiro normal' possa ser erguido.
Em outros momentos da gravação, funcionários prestam testemunhos orgulhosos sobre seu oficio. O mesmo Roque dos caititus e espingardas criou-se 'Técnico em Biotério' competente, dominando por completo ciclos reprodutivos, fabricação do alimento (inédito), vermifugação e eutanásia dos ratos que alimentam as surucucus. O mesmo Claudio do machado e motosserra recebe com naturalidade reis e rainhas que nos visitam, sempre com uma explanação complexa sobre a situação da Mata Atlântica no sul da Bahia e a pressão antrópica sobre seus viventes. Humildes por natureza, Claudio e Roque parecem não ter noção do quanto caminharam, e treinam o mais jovem sem rivalidades. Em sua lealdade, somos quatro.
Quando começamos (2001), não haviam referencias praticas e consultáveis sobre o manejo e manutenção de Lachesis no Brasil. Reprodução em cativeiro então, nem se fala. Quando um dado básico como o do peso de ratos oferecidos às surucucus foi apresentado à repórter por Roque, veio a lembrança triste dos animais que perdemos para nossa própria ignorância. E também a lembrança de nossa postura em relação à dividir conhecimento. Tudo o que sabemos foi publicado. Orgulho imenso ver a rapaziada na Venezuela (foto abaixo), Colômbia, Costa Rica, Brasil, valer-se de nosso esforço (publicado) em seus próprios esforços na preservação de Lachesis, e nos escrever contando que 'valeu' ...
Nossa ênfase nesse 'compartilhar conhecimento' se dá por termos experimentado o oposto. Como não havia (2001) e não há no Brasil (2015) quem pudesse apresentar resultados em reprodução em cativeiro do gênero, entramos sem saber na vaidade alheia, sendo boicotados e induzidos ao erro.
Na foto com a surucucu, seu auxiliar usa luvas e vc não usa .
ResponderExcluirQual a razão ?
Quem imobiliza o animal tem que ter sensibilidade máxima nas mãos, e o uso de luvas trabalha contra essa necessidade. A imagem retrata o momento do registro fotográfico de uma surucucu que acabou de ser microchipada, e para esse procedimento Claudio usou as luvas. R
ResponderExcluirNo Gurupi não tem, inclusive o Gurupi está sob risco de ser "Demolido" literalmente, pelo menos esta foi a última notícia que obtive. Jamais terei palavras suficientes para agradecer o que fez, mais uma vez muito obrigada por tornar meu sonho possível.
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