Boa Tarde ! Meu nome é Ednei, sou bombeiro em São Paulo,tomei a liberdade de pegar seu contato, através do livro "Animais Peçonhentos no Brasil". Primeiramente gostaria de parabeniza-lo pelo trabalho desenvolvido, aqui no bombeiro estamos usando o livro como referência. Gostaria de tirar algumas dúvidas: 1- A aplicação de gelo no local da picada de animais peçonhentos, com o objetivo de diminuir a dor é indicado ??? 2- O Sr. conhece o Guidelines 2010 ? Estou enviando o mesmo em anexo, pois na pagina 28 - Indica-se como atendimento imediato a aplicação de atadura de imobilização por pressão, sendo este procedimento uma maneira eficaz e segura de retardar o fluxo linfático e a disseminação do veneno, será que podemos utilizar este procedimento como padrão recomendado no atendimento de primeiros socorros?? O que o Sr. pode me informar sobre isto ?? Conhece este procedimento ??? Desde já agradeço pela atenção e por colaborar com o trabalho do Corpo de Bombeiros. Cordialmente, CB PM Ednei 8º Grupamento de Bombeiros.
O CB PM Ednei refere-se à este trabalho, abaixo:
Na pagina 28, lê-se: Picadas de cobra 2010 (Nova): A aplicação de uma atadura de imobilização por pressão, com pressão entre 40 e 70 mmHg na extremidade superior e 55 e 70 mmHg na extremidade inferior, em torno de toda a extensão da extremidade picada, é uma maneira eficaz e segura de retardar o fluxo linfático e, por conseguinte, a disseminação do veneno. 2005 (Antiga): Em 2005, o uso de ataduras de imobilização por pressão para retardar a disseminação da toxina era recomendado apenas para vítimas de picadas de cobra com veneno neurotóxico. Motivo: A eficácia da imobilização por pressão está, agora, demonstrada para picadas de outras cobras venenosas americanas. Confira o original, abaixo:
Isto posto, inicio minhas respostas pela pergunta numero 2:
A técnica das bandagens utiliza ataduras elásticas largas (15 cm ou mais), destas comuns de qualquer farmácia, envolvendo todo o membro acometido pela picada, com mais pressão distal do que na parte proximal. Se estivéssemos na Australia, lidando com acidentes envolvendo Elapideos, a sugestão da American Heart Association teria fudamentação: falamos de acidentes com animais de neurotoxicidade extrema, rapidamente fatais, e há estudos sérios (australianos) indicando que as PBs ('pressure bandages') salvaram vidas, retardando a ação do veneno e dando tempo de uma abordagem hospitalar ao acidentado, com melhor quadro clinico.
Nos Estados Unidos o assunto é ainda controverso. Os estudos em Loma Linda (1998), em porcos inoculados com veneno de cascavel, indicam eficiência nas técnicas com PBs. Já Norris, de Stanford, em 2002 diz que a técnica é de dificil aplicação. Não há consenso, e muita especulação.
No Brasil, foco de nossa atenção, sou da opinião de que as novas guidelines são uma temeridade. Não aceito em absoluto a universalização do procedimento. Para mim, tendo em foco a realidade brasileira, bandagem de pressão é torniquete fraco, que aumentaria o dano local concentrando veneno - principalmente aqui com nossas Bothrops, de peçonha altamente proteolítica, e responsáveis por mais de 80% dos acidentes - sem reverter significativamente a absorção pela via capilar. Há recomendações especificas sobre qual pressão aplicar (40-70 mm Hg distal e 50-70 mm Hg proximal), impossíveis de se alcançar com rigor tecnico por 99% dos socorristas, ainda mais com edema (inchaço) em progressão. Manobras inúteis retardando tratamento efetivo, hospitalar, e com grande potencial iatrogênico. No caso das cascavéis, além do edema em progressão que comprometeria a pressão aplicada pela bandagem, penso que a rede capilar fará o encaminhamento do veneno para a corrente sanguínea, visto que a inoculação destas solenóglifas não é superficial, ou seja, o velho e bom 'manter a vitima calma, sem esforço físico - isso sim retardando absorção - e voar para o hospital' continua sendo, para mim, a grande novidade.
Já discuti o procedimento com o Chefe do Centro de Controle de Intoxicações do maior pronto socorro de Minas Gerais, o altamente experiente Professor Délio Campolina, que se posiciona da seguinte forma: "Concordo plenamente com você; é uma situação complexa e com muitas variáveis, como tipo da serpente e ações de seu veneno, características da picada e inoculação, tempo, recurso médico no atendimento, identificação adequada da espécie, distância e transporte disponível, biotipo, entre muitas outras como vc sabe... como monitorar este nível de pressão?! Não dá para generalizar este tipo de procedimento e não acredito em sua efetividade, além de ser temerário se não realizado adequadamente"
Quanto à segunda pergunta, sobre o gelo em acidentes com animais peçonhentos para controle de dor, creio que sua eficiência se restringiria a picadas (em pequeno numero) de abelhas e vespas. Não se usa gelo em picada de cobra, a vasoconstrição induzida por gelo concentra veneno e aumenta a chance de maior dano local. Baixas temperaturas induzidas por gelo não desnaturam proteínas do veneno, que continua ativo, e causando dor local intensa, nos acidentes Botrópicos e Laquéticos em especial. É dor para se tratar com analgésicos pesados, hospitalares. Quanto aos escorpiões mesma coisa, é dor tratável somente com bloqueio anestésico da inervação do local afetado, dedos normalmente. O mesmo vale para picadas das aranhas Phoneutria e Lycosa. Muita gente não entende o conceito de 'dano local', que convido-o a conhecer por imagens: http://lachesisbrasil.blogspot.com.br/2011/02/sobre-amizade-ao-dr-delio-campolina.html
Encerro agradecendo pela honrosa oportunidade de ajudar a Corporação (e o acidentado) e parabenizando-o pelo alto nível do questionamento.
À disposição,
Rodrigo