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sexta-feira, 27 de abril de 2012

Mais um motivo para confiar no Corpo de Bombeiros

Recebi ontem um email especial:

Boa Tarde ! Meu nome é Ednei, sou bombeiro em São Paulo,tomei a liberdade de pegar seu contato, através do livro "Animais Peçonhentos no Brasil". Primeiramente gostaria de parabeniza-lo pelo trabalho desenvolvido, aqui no bombeiro estamos usando o livro como referência. Gostaria de tirar algumas dúvidas: 1- A aplicação de gelo no local da picada de animais peçonhentos, com o objetivo de diminuir a dor é indicado ??? 2- O Sr. conhece o Guidelines 2010 ? Estou enviando o mesmo em anexo, pois na pagina 28 - Indica-se como atendimento imediato a aplicação de atadura de imobilização por pressão, sendo este procedimento uma maneira eficaz e segura de retardar o fluxo linfático e a disseminação do veneno, será que podemos utilizar este procedimento como padrão recomendado no atendimento de primeiros socorros?? O que o Sr. pode me informar sobre isto ?? Conhece este procedimento ??? Desde já agradeço pela atenção e por colaborar com o trabalho do Corpo de Bombeiros. Cordialmente, CB PM Ednei 8º Grupamento de Bombeiros.

O CB PM Ednei refere-se à este trabalho, abaixo:




Na pagina 28, lê-se: Picadas de cobra 2010 (Nova): A aplicação de uma atadura de imobilização por pressão, com pressão entre 40 e 70 mmHg na extremidade superior e 55 e 70 mmHg na extremidade inferior, em torno de toda a extensão da extremidade picada, é uma maneira eficaz e segura de retardar o fluxo linfático e, por conseguinte, a disseminação do veneno. 2005 (Antiga): Em 2005, o uso de ataduras de imobilização por pressão para retardar a disseminação da toxina era recomendado apenas para vítimas de picadas de cobra com veneno neurotóxico. Motivo: A eficácia da imobilização por pressão está, agora, demonstrada para picadas de outras cobras venenosas americanas. Confira o original, abaixo:




Isto posto, inicio minhas respostas pela pergunta numero 2:


A técnica das bandagens utiliza ataduras elásticas largas (15 cm ou mais), destas comuns de qualquer farmácia, envolvendo todo o membro acometido pela picada, com mais pressão distal do que na parte proximal. Se estivéssemos na Australia, lidando com acidentes envolvendo Elapideos, a sugestão da American Heart Association teria fudamentação: falamos de acidentes com animais de neurotoxicidade extrema, rapidamente fatais, e há estudos sérios (australianos) indicando que as PBs ('pressure bandages') salvaram vidas, retardando a ação do veneno e dando tempo de uma abordagem hospitalar ao acidentado, com melhor quadro clinico.

Nos Estados Unidos o assunto é ainda controverso. Os estudos em Loma Linda (1998), em porcos inoculados com veneno de cascavel, indicam eficiência nas técnicas com PBs. Já Norris, de Stanford, em 2002 diz que a técnica é de dificil aplicação. Não há consenso, e muita especulação.

No Brasil, foco de nossa atenção, sou da opinião de que as novas guidelines são uma temeridade. Não aceito em absoluto a universalização do procedimento. Para mim, tendo em foco a realidade brasileira, bandagem de pressão é torniquete fraco, que aumentaria o dano local concentrando veneno - principalmente aqui com nossas Bothrops, de peçonha altamente proteolítica, e responsáveis por mais de 80% dos acidentes - sem reverter significativamente a absorção pela via capilar. Há recomendações especificas sobre qual pressão aplicar (40-70 mm Hg distal e 50-70 mm Hg proximal), impossíveis de se alcançar com rigor tecnico por 99% dos socorristas, ainda mais com edema (inchaço) em progressão. Manobras inúteis retardando tratamento efetivo, hospitalar, e com grande potencial iatrogênico. No caso das cascavéis, além do edema em progressão que comprometeria a pressão aplicada pela bandagem, penso que a rede capilar fará o encaminhamento do veneno para a corrente sanguínea, visto que a inoculação destas solenóglifas não é superficial, ou seja, o velho e bom 'manter a vitima calma, sem esforço físico - isso sim retardando absorção - e voar para o hospital' continua sendo, para mim, a grande novidade.

Já discuti o procedimento com o Chefe do Centro de Controle de Intoxicações do maior pronto socorro de Minas Gerais, o altamente experiente Professor Délio Campolina, que se posiciona da seguinte forma: "Concordo plenamente com você; é uma situação complexa e com muitas variáveis, como tipo da serpente e ações de seu veneno, características da picada e inoculação, tempo, recurso médico no atendimento, identificação adequada da espécie, distância e transporte disponível, biotipo, entre muitas outras como vc sabe... como monitorar este nível de pressão?! Não dá para generalizar este tipo de procedimento e não acredito em sua efetividade, além de ser temerário se não realizado adequadamente"




Quanto à segunda pergunta, sobre o gelo em acidentes com animais peçonhentos para controle de dor, creio que sua eficiência se restringiria a picadas (em pequeno numero) de abelhas e vespas. Não se usa gelo em picada de cobra, a vasoconstrição induzida por gelo concentra veneno e aumenta a chance de maior dano local. Baixas temperaturas induzidas por gelo não desnaturam proteínas do veneno, que continua ativo, e causando dor local intensa, nos acidentes Botrópicos e Laquéticos em especial. É dor para se tratar com analgésicos pesados, hospitalares. Quanto aos escorpiões mesma coisa, é dor tratável somente com bloqueio anestésico da inervação do local afetado, dedos normalmente. O mesmo vale para picadas das aranhas Phoneutria e Lycosa. Muita gente não entende o conceito de 'dano local', que convido-o a conhecer por imagens: http://lachesisbrasil.blogspot.com.br/2011/02/sobre-amizade-ao-dr-delio-campolina.html









Encerro agradecendo pela honrosa oportunidade de ajudar a Corporação (e o acidentado) e parabenizando-o pelo alto nível do questionamento.

À disposição,

Rodrigo

3 comentários:

  1. PREZADO PROFESSOR
    COMO MEMBRO DO LABORATÓRIO DE RESGATE DA ESCOLA SUPERIOR DE BOMBEIROS PARABENIZO-O PELAS EXCELENTES EXPLICAÇÕES COM FUNDAMENTOS TÉCNICOS CIENTÍFICOS QUE MUITO COLABORARÁ COM NOSSO PROFESSOR E COM A DISCIPLINA RESGATE E EMERGÊNCIA MÉDICAS.
    TORNAREMOS ESTA PUBLICAÇÃO DE CONHECIMENTO AMPLO DENTRO DA NOSSA CORPORAÇÃO.
    CLAUDINEI FERREIRA DA SILVA
    SUBTENENTE DA ESCOLA SUPERIOR DE BOMBEIROS
    ENFERMEIRO COM ESPECIALIZAÇÃO EM EMERGÊNCIA E CUIDADOS INTENSIVOS

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  2. Prezado Rodrigo,
    A colaboração que tens dado aos conhecimentos acerca de acidentes por animais peçonhentos é importantíssima.
    Continuemos com nosso esforço para publicação da revisão do Manual de Diagnóstico e Tratamento de Acidentes por Animais Peçonhentos, pois creio que ele será se suma importância frente as muitas dúvidas como as expostas acima.
    Forte Abraço,

    Guilherme C. Reckziegel
    Unidade Técnica de Vigilância de Zoonoses
    UVZ/CGDT/DEVIT/SVS/Ministério da Saúde
    GT-Animais Peçonhentos

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  3. "Esse é o Rodrigo, minero arretado que entendeu e aplicou o segredo da caboclada do sul da Bahia com respeito a surucucu: de dia se enterra, di noite é fera etc e tal. Tal ato se chama Inteligência, coisa rara nessa terra.

    Meu abraço fraterno ao amigo.

    João Luiz Cardoso
    Hospital Vital Brazil, Butantan

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