Segunda feira ultima, 7 da manhã. Assumo o plantão da Sala de Emergência. Dentre os pacientes, 'picada de coral verdadeira'. No prontuario: " 00:54 hs ... contato feito com a Toxicologia do João XXIII, UTI móvel a caminho, indicados prometazina e hidrocortisona ... "
A paciente S.A.S lavava roupas. Ao abraçar uma grande pilha delas no chão, sentiu a fuga da cobra vermelha e preta por entre seus dedos, seguida de forte dor de cabeça, vômitos e dificuldade para respirar. Capturaram a cobra. Cobra e paciente adentraram o serviço medico às 00:18 hs horas da segunda feira, 29/04.
De longe vi que a paciente dormia pesadamente, com frequência respiratória normal. A tal UTI móvel não veio. Estaríamos na oitava hora de evolução do caso, e sem soroterapia especifica, a paciente estaria agonizando. Algo não batia.
Fui ver a cobra, que fora classificada por telefone. Era da especie que Luca manipula no primeiro vídeo abaixo, mas bem menor. O sono da paciente devia-se à prometazina (e não ao veneno), droga administrada com a intenção (ilusória) de minimizar eventuais alergias ao soro, que felizmente faltou: desnecessário, potencialmente danoso à paciente, sem dizer que um acidente real poderia não ter a assistência adequada frente ao desperdício destas raras ampolas.
Acordei a paciente (abaixo), comunicando sua alta hospitalar, explicando que aquela cobra era inofensiva, e que seus sinais e sintomas deviam-se à ansiedade, ao medo da morte. Não fui questionado. Com um sorriso e um forte abraço saiu correndo do hospital, provavelmente para outra enorme trouxa de roupas.
Frente à grande e cronica confusão, Luquinha dá sua contribuição à solução do Dilema das Corais: falsa ou verdadeira ? Neste primeiro vídeo manipula uma Oxyrophus trigeminus de quase 1 metro. Essa cobra tem o olho vermelho - o olho de todas as corais perigosas é minusculo e preto - e os anéis do desenho não passam pela barriga, fechando todo o contorno do animal. É uma falsa coral de identificação instantânea para o leigo
Já neste vídeo abaixo Luquinha manipula a cobra que quebra a regra: 'se o anel passa pela barriga a coral é verdadeira'. Na Erythrolamprus aesculapii os anéis fecham o contorno completo do animal inofensivo. É uma cobra com olhos grandes. Todas as corais verdadeiras tem olhos minúsculos.
Já abaixo, em manipulação profissional, Luquinha mostra Micrurus frontalis e Micrurus leminiscactus, corais verdadeiras, cada vez mais comuns no entorno da grande Belo Horizonte, nesses condomínios bacanas em especial. Repare nas duas cobras, três anéis pretos intercalados por dois brancos e/ou amarelos. Repare que quando Luquinha eleva a Lemniscactus, os anéis fazem claramente volta completa na região ventral da cobra. Observe também a cobra da direita: sua cauda permanece levantada e com movimentos rítmicos. A lógica do comportamento defensivo seria desviar a atenção do predador da região vital, a cabeça. Esse é um comportamento tipico de coral verdadeira sob stress.
Cobras com essas características, anéis vermelhos, pretos, brancos e amarelos, em qualquer combinação, não devem ser tocadas no Brasil. Havendo acidente, o soro é raro, e não há garantias de neutralização plena do veneno poderosíssimo. E vamos ao fechamento do caso S.A.S ...
Grande Dr. Rodrigo!
ResponderExcluirSempre um exemplo de esclarecimento e dedicação profissional, seja no campo médico ou na área ambiental.
Parabéns!
Dener Giovanini
Sim, agora destravou o link.
ResponderExcluirRapaziada da hora esses seus moleques.
Valeu pelas informações.
Entrei no seu blog pesquisandoPadre Lauro e aprendi sobre cobras e escorpiões