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sexta-feira, 30 de agosto de 2013

VENENO



Tem pergunta que chega que dá até medo de ler, ainda mais vinda de universitários: 'o que é o veneno', 'qual a constituição do veneno da surucucu da Mata Atlântica ?'. É que aqui não cabem simplificações. É bioquímica pesada mesmo, que tentaremos transmitir de forma o menos tediosa possível.






O veneno de Lachesis muta rhombeata (LMR) apresenta componentes não tóxicos, destinados a facilitar a difusão dos componentes tóxicos no organismo da vitima/presa, e também os tóxicos, originados de algumas poucas famílias proteicas como metaloproteases, serinoproteases, fosfolipases A2, BPPs e lectinas tipo-C, que em conjunto são responsaveis pelos distúrbios sanguíneos e choque hipotensivo nos envenenamentos por Lachesis muta rhombeata.

A analise do proteoma da surucucu da Mata Atlântica (Santos, 2013), por espectrometria de massas e eletroforese bidimensional (EFB+EM), evidenciou as seguintes famílias proteicas: fosfolipases A2 (PLA2) na proporção de 37.93%; inibidores de proteases 22.41%, proteínas de sinalização intracelular 13.79%, NGFs 5,17%, metaloproteases 3,45%, fatores associados á DDB1 e CUL4 3,45%, oxirredutores 3,45%, proteínas de transdução de sinal 1,72%, componentes do complemento 1,72%, proteínas NipSnap 1,72%, proteínas lin-7 1,72% e 3,35% de outras proteínas, não classificadas.

As fosfolipases A2, na proporção de 37.93%, estão envolvidas na caça/busca alimentar de Lachesis muta rhombeata: estas proteínas induzem paralisação e hemorragias (inibição de agregação plaquetária) nos roedores caçados, e posteriormente sua digestão. 37,39% é valor mais que surpreendente: as fosfolipases corresponderam a 13,4%, 14,1%, 2,3& e 8,7% dos proteomas de peçonha de L. melanocephala (Costa Rica), L. stenophris (Costa Rica), L. acrochorda (Colômbia) e L. m. muta (Bolívia) respectivamente (Madrigal, 2012). Outros 3,45% do proteoma é representado por metaloproteases (atragina), relacionadas à alterações na coagulação sanguínea nas presas.

Em proporção de 22,41% aparece a família proteica das 'inibidoras de proteases', representada pela cistatina na peçonha de LMR. A cistatina como dito 'inibe proteases', em especial as metaloproteases P III que contem cisteína, inibindo crescimento, invasão e metástase de células tumorais in vitro e in vivo, e parece proteger a serpente de danos teciduais, ao envenenar-se a sí mesma (com suas próprias proteases).

Outras 13,79% das proteínas do veneno também não estão relacionadas à toxicidade direta, segundo o método EFB+EM, exemplos: os NGFs (fatores de crescimento neuronal) por exemplo, na proporção de 5,17% do proteoma da peçonha de LMR, atuam dentre outras formas, aumentando a suscetibilidade da região da picada a outros componentes do veneno, facilitando sua infiltração. 3,45% do proteoma da peçonha de LMR está relacionado às proteínas DDB1 e CUL4, relacionada à regulação de ciclo celular. Outros 3,45% deste proteoma engloba a família das 'oxirredutases' e se relaciona a processos de transferência de elétrons e oxirredução. 1,72% do proteoma é representado pelas 'proteínas de transdução de sinal', responsáveis por angiogênese e migração celular. Outros 1,72% do proteoma é representado pelos 'componentes do complemento', relacionados á processos inflamatórios e morte celular. Outros 1,72% do proteoma engloba as proteínas Nip Snap, que participam da curiosa função de 'ensacar' alguns componentes do veneno, formando vesículas, para que estes atinjam a circulação sanguínea do alvo da inoculação. Outros 1,72 do proteoma são representados pelas proteínas lin-7, envolvidas no transporte de componentes tóxicos do veneno aos tecidos da presa/vitima.

Com base na analise proteômica (EFB+EM) os principais processos biológicos desencadeados pela peçonha de LMR são inflamação, com 15,13% de proteínas da peçonha envolvidas diretamente nesse processo; miotoxicidade (14,47%) e degradação lipídica (14,47%) dos tecidos e membrana das presas, facilitando disseminação de veneno.E finalmente o processo biológico de'inibição plaquetária', também com 14,47% de proteínas do proteoma de LMR diretamente envolvidas, e responsáveis por hemorragias na presa. Todos estes processos são interligados, nas palavras de Santos (2013): "... as proteínas responsáveis pela degradação lipídica estão relacionadas com a produção de miotoxicidade local e sistêmica, que tem ação direta e especifica sobre musculatura esquelética, podendo levar a degeneração e morte celular (mionecrose). Por sua vez, essa lesão celular e tecidual pode desencadear respostas inflamatórias, levando ao aumento da permeabilidade vascular e da migração de neutrófilos, produzindo abscesso na região da picada. O interessante é que a inflamação também é causada por substancias provenientes do plasma e de plaquetas, e a inibição da agregação plaquetária por componentes da peçonha interfere na ação de mediadores inflamatórios, como o fator de ativação plaquetária que tem papel contrario ao ativar a agregação plaquetária..."

Outros processos biológicos desencadeados pelas famílias proteicas do proteoma peçonha de LMR, e a proporção de proteínas encontradas no veneno e diretamente relacionadas a esse processo são, segundo EFB+EM: migração celular (10,53%), inibição de proteases (8,55%), regulação da transcrição de DNA e RNA (5,92%), sinalização celular (2,63%), diferenciação neuronal (1,97%), ligação ao DNA (1,97%), angiogênese (1,97%), processamento de RNA (1,32%), regulação do ciclo celular (1,32%), danos endoteliais (1,32%), oxirredução (1,32%), transporte proteico/vesicular (1,32%), desenvolvimento celular (0,66%) e morte celular (0,66%).

Pelo método FPLC (Fast protein liquid chromatography) e sequenciamento N-terminal (FPLC+SNT), a peçonha de LMR evidenciou as seguintes famílias proteicas: serinoproteases (30,03%), metaloproteases (24,17%), BPPs (19,64%), PLA2s (14,95%), lectinas tipo C (1,94%), LAAOs (1,40%) e metaloendopeptidases (0,73%). Também segundo esse método (FPLC), os principais processos biológicos ocasionados pelas proteínas encontradas foram: fibrinólise (14,29%), interferência na agregação plaquetária (11,90%), hipotensão )9,52%), hemólise (9,52%), inflamação (9,52%), interferência na homeostase (7,14%), vasoativação (7,14%), angiogênese (7,14%), danos endoteliais (7,14%), inibição da migração celular (7,14%), degradação lipídica (2,38%), miotoxicidade (2,38%), proteólise (1,19%), atividade de hemaglutinação (1,19%), ligação à glicoproteínas da superfície celular (1,19%), e apoptose celular (1,19%).

A comparação dos resultados dos dois métodos, eletroforese bidimensional e espectrometria de massas (EB+ EM) de um lado, e de outro a FPLC e sequenciamento N-terminal (FPLC+SNT), demonstra que os dois primeiros métodos ressaltaram a presença de componentes proteicos relacionados ao metabolismo da peçonha (não tóxicos) de LMR, enquanto as duas ultimas técnicas ressaltaram a presença de seus componentes tóxicos, ficando evidente a complexidade do armamento da surucucu da Mata Atlântica. As duas técnicas mostraram que essa toxicidade se deve à presença de poucas famílias proteicas, como metaloproteases, serinoproteases, fosfolipases A2, BPPs, e lectinas tipo C, que juntas, são responsáveis pelos distúrbios de coagulação e choque hipotensivo característico dos envenenamentos por Lachesis.

Com relação à taxonomia, Santos (2013) observa: 'a presença de proteínas CRISPs e svVEGFs, na peçonha da subespécie Lachesis muta muta (Sanz 2008, e Madrigal 2012, ambos Bolívia), e sua ausência na peçonha da subespécie L. m. rhombeata pode ser um indicio da conservação destas serpentes em diferentes subespécies. A presença de metaloendopeptidases somente no proteoma em estudo também auxilia na corroboração deste fato'

http://lachesisbrasil.blogspot.com/2011/05/neurotoxicidade-em-lachesis.html




 

6 comentários:

  1. Aula de bioquímica do veneno .

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  2. Veneno de cobra te odor ?
    E sabor ácido, amargo, azedo ?

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  3. não sei te responder quanto ao gosto, odor nenhum, evito ao máximo as extrações, o veneno em Serra Grande fica com as lachesis e os ratos

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  4. É um quase um lugar sagrado para Lachesis seu criatório.
    Como será Lugar Sagrado em tupi guarani ou em grego,porque tem surucucu / Lachesis lá .

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  5. Interessante, um veneno tão potente com uma cobra que tem condições de inocular grandes quantidades e que fica enorme para os padrões de peçonhentas,para presas tão pequenas.Lachesis teriam condiçoes de capturar suas presas só pela ação mecanica de sua mordida já que tem por característica não soltá-las, alguém já mediu a quantidade de veneno inoculado em uma predação normal? A propósito obrigado pela resposta quanto ao nome popular dourado estou convencido que LMR é o nosso tão temido dourado,algumas estórias dessa cobra por aqui. Parabéns pelo trabalho, DIOGO.

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    1. ao contrario do que se pensa, nem as maiores lachesis JAMAIS inculam mais que DOIS ml de veneno; a titulo de comparação, uma jararacussú de 1,50 mts pode gerar 6,7 ml de veneno, numa unica extração

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