Padre Lauro me falava de como alguns dias no Caraça inundavam a existência de seus pequenos alunos. Passei os últimos três dias lá e senti na pratica suas palavras.
Primeiro dia caminhada dura de 11 km à Bocaina, campos fechados e preservados, 'os mesmos' (capim africano à parte) visitados por Saint-Hilaire (1779-1875), Pohl (1782-1843) e Von Martius (1794-1860), onde ainda se vê Vellozia de 300 anos (canela-de-ema) na escarpas.
Mais acima, rumo à gruta, caminho traiçoeiro numa corredeira com todas as cores ....
À noite esperamos o lobo com Pe. Lauro, performático no 'display submissão' (abaixo), para deixar à vontade os novos e mais arredios representantes do grupo ora hegemônico, aqueles que se impuseram como dominantes ao grupo anterior:
Nem joelho operado detém Padre Lauro |
No dia seguinte trilha com Pe. Lauro pela manhã, 7 km rumo aos Campos de Fora. Aula viva. Descoberta a cada passo, à procura de um cogumelo azul que não encontramos, mas fomos felizes na busca ...
Algo precioso no caminho |
À tarde, a oportunidade de se conhecer uma das maiores flautistas destes país, Marie Thereze Odette Ernest Dias, e seguramente uma das duas mais preciosas flautas transversais deste planeta, uma Louis Lott de 1865, só superada pela de Rampal:
Gratos pela gentileza, Odette |
Um pouco mais á tardinha, outro momento cientifico com Padre Lauro, desta vez com Luca acertadamente descrevendo uma Micrurus frontalis, infelizmente abatida antes da nossa chegada, e ainda carecendo classificação: "Verdadeira ou falsa ?"
Luca: "Verdadeira e perigosa" |
O local dos trabalhos é o telhado da Igreja do Caraça, lugar especial em si, onde toda a engenhosidade dos construtores de 1883 fica bem aparente. Área fechada ao público em geral, uma honra estar lá.
Não temos como te agradecer, Raíssa |
Pela manhã uma visita á biblioteca, e a chance de ver de perto o Naturalis Historiae, de Plinio, o Velho, nascido em 23 d.C e morto da explosão do Vesúvio, em 79 d.C. O exemplar que Luquinha admira é de 1489 ...
Pude sentir nestes dias que, por mais que tentemos como pais envolver as crianças naquilo que avaliamos como bom e formador, mais uma vez Judith Harris prevaleceu. Nem cobra, nem morcego, nem flauta, nem aventura alguma, nem pai nem mãe nem mesmo "O CARA" (no vitral, abaixo) vale mais que um amigo ...
O Cara, vitral da Igreja do Caraça |
Nada suplanta o grupo, que é onde as crianças melhor se entendem e se descobrem, e são mais felizes:
http://www.scientificamerican.com/article/parents-peers-children/
Não sermos pais sentimentaloides e centralizadores é fundamental. O espirito de grupo está no DNA de nossos filhos, e em ultima análise leva ao saudável 'abandono do ninho', inicio da jornada pessoal, sem a qual não há saúde global no indivíduo.
RPG: cavaleiros medievais no Calvário. Nada supera "o grupo" no coração infantil. |
O Caraça, aqueles 11.233 hectares de Mata Atlântica, Cerrado, Campos Rupestres e Campos de Altitude, área de preservação permanente integral, tem a cara de Padre Lauro Palú, este homem profundamente do bem e perto do qual estou 'em casa', sempre atento à oportunidades de crescimento interior, como no diálogo abaixo ... :
Caro Rodrigo, envio hoje uma página de reflexão sobre o assunto de uma de nossas conversas no Caraça, na última vez em que nos vimos.
“Temos que impor limites a essa meninada...”
Quem pensa assim não percebe o fundamental: os Meninos e as Meninas não podem ser objetos de nosso cuidado ou policiamento; não somos nós que os educamos. São sujeitos de sua própria educação, na medida de sua compreensão, de suas capacidades, de sua consciência das coisas. Devemos impor limites? Ou ajudar a aflorar na consciência deles a noção dos seus deveres? Para ser sujeitos, neste caso, devemos colocar-nos noutra perspectiva, não ficar à mercê ou sob a imposição de quem traça para nós o que devemos fazer. Pois tenho tentado refletir com nossos Professores e Educadores, há alguns anos, que não se trata de impor limites, mas de estimular o crescimento de nossos Filhos e nossos Alunos.
Cheguei a esta conclusão e a esta prática de maneira gradual, mas muito clara. Parti de um dado básico que é o fato de que todos somos dotados da gloriosa liberdade de Filhos de Deus. Deus nos criou gloriosamente livres, capazes de escolher, entre duas ou mais ações, aquela que mais nos realiza, aquela que nos faz participar mais plenamente da Ressurreição de Jesus Cristo, isto é, de sua vitória sobre o mal, o pecado, a lei, a escravidão, a própria morte. Então, eu iria impor limites a um Menino, a uma Menina, a um ser humano, seja quem for, em nome de quê?. Com que poder, com que autoridade? Para que fim?
Cheguei a esta conclusão e a esta prática de maneira gradual, mas muito clara. Parti de um dado básico que é o fato de que todos somos dotados da gloriosa liberdade de Filhos de Deus. Deus nos criou gloriosamente livres, capazes de escolher, entre duas ou mais ações, aquela que mais nos realiza, aquela que nos faz participar mais plenamente da Ressurreição de Jesus Cristo, isto é, de sua vitória sobre o mal, o pecado, a lei, a escravidão, a própria morte. Então, eu iria impor limites a um Menino, a uma Menina, a um ser humano, seja quem for, em nome de quê?. Com que poder, com que autoridade? Para que fim?
Há limites que são naturais ao nosso ser: até porque nascemos e morremos. Os Pais e alguns Professores não se referem aos limites naturais, característicos de seres humanos condicionados e falíveis, mas aos limites que julgam que devemos impor aos Filhos e Alunos, aos outros, para não nos incomodarem ou prejudicarem, ofenderem ou matarem. O pior é que nem sempre desvelamos os motivos de querer impor limites aos outros.
Não é bom deixar nossos Filhos ou Alunos “enterrarem o chifre”, fazerem as experiências que quiserem e depois terem que aguentar as consequências, pois às vezes não estão maduros ou preparados e equipados, mesmo física ou psicologicamente para isso. A lei estabelece idade para casar, para ser imputável criminalmente, para endossar ou avalizar cheques, para assumir postos de comando. Mas como ajudaremos alguém a se preparar para isso se os proibimos de fazer as coisas, se, em nome de sua idade, os impedimos de fazer certas atividades, de participar de promoções, de enfrentar desafios?
Estimular o crescimento é uma atitude corajosa e revolucionária, uma ação verdadeiramente transformadora, porque rompe com o esquema de poder de quem manda, os outros tendo que obedecer, porque são menores, são nossos Filhos, somos educadores deles, porque temos as notas e o Conselho de Classe com seu poder soberano e extremamente ambíguo. Em vez de impor mesmo os melhores valores, as virtudes, as mais heroicas e maduras atitudes de esforço, amizade, companheirismo, seriedade profissional no estudo, etc., já seria enorme progresso simplesmente propor essas coisas sem nos servirmos de nossa condição de adultos, Pais ou Educadores, para impô-las. O que falta, às vezes, é imaginação e criatividade, para mentar um modo novo, a maneira de fazer ainda não tentada, ainda não testada, que estimule o Aluno a interessar-se, a esforçar-se, a entreajudar-se, para dar conta, para superar a preguiça, o atraso, o cansaço, a falta de motivação e de interesse pelo que estamos dizendo ou ensinando.
Vendo o esforço com que correm, o que são capazes de criar com os dois pés, no futebol, o que conseguem fazer em equipe, sob um solão desgraçado, para defender o nome do nosso Colégio São Vicente num torneio de futebol, sei que está faltando alguma coisa para explicar que se atrasem todos os dias para as aulas, que conversem o tempo todo, que durmam, que leiam jornal, que nem venham à minha aula, que prefiram o corredor ou a sacada e a varanda a tudo o que tenho trazido para eles, ao longo destes anos. No dia em que a televisão mostrou a “pedalada” de um craque da seleção, os rapazes e as crianças começaram a treinar igual e já inventaram mil outros movimentos para desnortear o adversário no futebol. Não quero dizer que a aula tem que ser como um jogo de futebol e cada um de nós, melhor que o Neymar ou o Messi. Não quis dizer isso. Não vamos dar espetáculo, não vamos exibir-nos, não vamos manipular ninguém. Para nós, não se trata só de pôr mais figura, mais filme, mais retroprojetor em nossas paredes ou nossos quadros, nos olhos dos Alunos ou onde for.
Para esclarecer o que quero dizer com estimular o crescimento, dou um exemplo: Em vez de dizer a um adolescente: “Você deve estudar”, “você tem que estudar”, penso que, para o adolescente e para mim (que sou seu Pai ou Mãe, seu Professor, Inspetor ou Educador), o mais educativo, o que de fato realiza um processo de educação é conversar com ele e propor uma experiência de percepção e acolhimento voluntário de algum valor. Dizer, por exemplo: “Você já experimentou estudar com gosto, não apenas para a prova mas para aprender mesmo, para ter o conhecimento, como coisa boa para você? Você já notou como às vezes se sente feliz e contente por ter feito uma coisa boa, uma coisa de que você gostou, uma coisa que mostrou que você é inteligente, que é capaz, que pode de fato empenhar-se e que, quando se empenha, consegue bons resultados? Você não gostaria de fazer esta experiência mais vezes e sentir novamente o gosto de saber-se capaz, de sentir satisfação por você mesmo, ainda quando ninguém notar que você se esforçou e conseguiu? Você já pensou em agir de modo que seu comportamento ajude os outros, os alegre e anime, para que gostem de trabalhar e estudar e brincar com você? Você topa fazer isto, se nós o ajudarmos, se conseguirmos criar com você condições para você fazer isto de maneira habitual?”
Neste segundo modo de falar com o adolescente, em vez de 3 ou 4 palavras, usei 153. É uma frase mais longa e descreve um processo mais longo. O que distingue os dois modos de fazer é que não sou eu que imponho uma obrigação, mas somos duas pessoas desafiando-nos a dar o melhor de nós num engajamento mútuo, que não visa apenas me livrar das impertinências do adolescente, mas abre para nós dois um espaço de colaboração, de estima, de ajuda recíproca, de confiança na capacidade do outro, de verdadeiro bem-querer em relação ao outro e a todos os outros.
É claro, é evidente que só conseguiremos isso com uma atitude de bem-querer em relação aos nossos Alunos e Alunas. Um meu colega numa casa de formação dizia: “Essa cambada não quer nada com nada”. Esse não fazia absolutamente nada de nada para ajudá-los...
Eis aí, Rodrigo, um começo de conversa. Alguns dos meus Formadores daqui já entenderam e viram que estamos na linha de nosso projeto pedagógico: Formar agentes de transformação social. Com gente formada assim eu gostaria de trabalhar, para mudar o mundo.
Um abraço.
Um abraço.
Rio de Janeiro, 27 de fevereiro de 2012
Pe. Lauro Palú, C. M.
Por tudo e por tanto meu Amigo, pela minha família, por mim, meu muito obrigado....
Concluindo, o Caraça é uma área com as mesmas características a 500 mil anos, pelo menos. Existem datações em população divergente de uma certa orquídea, que incide no Santuário, e que sustentam essa afirmação. Ou seja, o bioma tem uma longa historia de resistência às hostilidades planetárias, como as glaciações, e mais que nunca precisa de um pulso firme em sua Direção para continuar como está, para conter outro nível de ameaça, o da crescente pressão antrópica.
Pe. Lauro Palú assumiu oficialmente a Direção do Santuário do Caraça em 1° julho de 2014. O Homem certo, na hora certa.
De perneira e sandálias com meias , esperamos q o " algo precioso pelo caminho " não tenha sido uma cobra.
ResponderExcluirPadre Lauro é um figuraço , gente boa.
O Caraça é um oásis entre montanhas.
Voltaremos muitas vezes lá também.
Grato pela visita, e Pe. Lauro tem sido um grande incentivador das medidas preventivas do acidente ofídico no Caraça, não me recordo dele sem a devida proteção em nenhuma das nossas inúmeras incursões, eu quase sempre como o irresponsável do grupo (sem perneira) até o dia em que levei um bote de uma grande Bothrops neuwiied, na Bocaina, e que não acertou por milímetros. O 'precioso' deste caminho especifico foi um cogumelo azul, raro ... como as grandes amizades. Abraço, R
ResponderExcluirO menino pequeno era quem usava sandalias ,meias e perneiras pela trilha .
ResponderExcluirObserve a foto e verá.
Sim, descuido meu pela atividade ter sido proposta em ser estrada aberta naquele dia, já que os joelhos de Pe Lauro não estavam muito bem. Mas não há justificativa e voce tem razão, o risco existe. Esse menino é o Luquinha, meu filho, e mais jovem escalador da historia dos 'Sete Picos' do Caraça. Tendo um tempinho confira a postagem aqui no blog sobre 'O mito da cobra verde e da coral verdadeira no Brasil', onde ele dá um show. Abraço, R
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