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domingo, 23 de janeiro de 2011

Carl Gustav Jung e o clube da surucucú



O 'Clube da Surucucú' é fechado: não há mais do que três grupos reproduzindo Lachesis em cativeiro no planeta, sendo o Núcleo Serra Grande, representando o Brasil, um deles.

A reprodução em cativeiro viabiliza 1) matéria prima para produção de soro anti-laquético 2) elaboração de projetos de reintrodução na natureza e 3) pesquisa farmacológica avançada e de interesse medico, como por exemplo sobre a fração anti coagulante da peçonha laquética.

Segue abaixo uma carta (com destaques em vermelho meus), de um herpetólogo experiente que conhece as entranhas da herpetologia nos grandes institutos brasileiros, ou melhor, no Butantã (SP) e no Vital Brazil (RJ). Da Fundação Ezequiel Dias de Belo Horizonte, MG, ao contrário dos dois primeiros, tenho recebido respeito, confira o link:

http://lachesisbrasil.blogspot.com.br/2011/03/fundacao-ezequiel-dias-de-belo.html

Jung, fundador da Psicologia Analítica, em determinado momento fala dos perigos de nos confundirmos com a 'persona', termo cunhado por ele para definir o 'ser social', polido e estrategista - frequentemente falso e hipócrita - que habita dentro de cada um de nós, não sendo contudo, a integralidade do que somos.

Então agradeço a este sujeito que nem me conhece, mas presenciou tudo o que falo em "Essencias 6" http://lachesisbrasil.blogspot.com.br/2011/01/os-essenciais-6-argolo-anibal-marcelo-e.html, e que com sua maneira franca, me jogou para cima e para frente. Sinceridade é coisa rara neste mundo da 'persona'.

Segue-se seu texto na íntegra, com as devidas respostas entre os parágrafos sob a forma de imagens do NSG.

"Rodrigo, tudo isso é muito complexo, pois se formos seguir uma metodologia cientifica, ninguém no Brasil pode comprovar realmente reprodução em cativeiro do gênero Lachesis, por que ninguém tem documentado o  acasalamento, postura e nascimento, para se comprovar realmente reprodução  em cativeiro, comprovar o acasalamento em ambiente cativo é fundamental, pois postura e nascimento podem ser legados de uma fêmea prenhe proveniente  da natureza...."

"Complementando o que lhe disse acima, para que você comprove que reproduziu em cativeiro, precisa documentar o acasalamento, coisa que ninguém fez.













"Observando seus ovos, vejo que você terá alguns problemas, se você tivesse entrado em contato antes, eu lhe enviaria uma vermiculita especial que recebi de um criador Alemão, que afasta insetos e não permite a proliferação de fungos.

Acho que voce precisa entender como se incubam ovos de répteis, pelo que vi nas fotos você esta fazendo tudo errado, mas alguns ovos estão em bom estado, vamos torcer para que nasçam alguns filhotes"









Acho que você deveria se preocupar mais com o seu caso, com o seu criatório e esquecer ... (Vide postagem  "Os Essenciais 6")...  pois eles tem os animais totalmente legalizadinhos e seguros no ... o seu caso é um  pouco diferente, e vai necessitar de trabalho árduo e dedicação,  pois a grande maioria vê seu criatório apenas como um depósito de Lachesis dentro de galinheiros.

Irei lhe enviar um modelo simples de incubadora que você pode tentar fazer  ai, a grande maioria dos criadores conhece esse tipo de incubadora e você pode fazer sem problemas ou gastos, pois esse seu método não consegui  entender, e não atende ao mínimo necessário para se conseguir uma boa  incubação.

Não sei se você sabe algo sobre incubação, mas temperatura e  umidade devem ser controladas rigorosamente, não se deve permitir variações bruscas. A umidade é crucial, se muito úmido você terá belos ovos lotados de  fungos, se estiver baixa os ovos ressecam e você os perderá da mesma  maneira"



http://www.lachesisbrasil.com.br/download/BulChicagoHerpSoc_Vol42Num3pp41-43%282007%29.pdf


Confira também:  http://www.lachesisbrasil.com.br/NSG/nsg.html





domingo, 16 de janeiro de 2011

Os essenciais 7 - Paulo Emílio Vanzolini, in memorian



'Sai bravo, cheguei manso
Macho da mesma maneira
Estrada foi boa mestra
Me deu lição verdadeira
Coragem num tá no grito
E nem riqueza na algibeira'


Falava em homens de moral no post anterior sobre os Villas Boas, confira: http://lachesisbrasil.blogspot.com/2011/01/surucucu-orlando-moral-e-misterios.html

Em sendo 'moral' o tema, a sequencia natural é lembrar o Dr. Vanzolini.

Quando o NSG estava nascendo, dez anos atrás, nem a mais básica das perguntas tinha uma resposta: o que difere a surucucu da Mata Atlântica da Amazônica ? Ninguém sabia, e falo não por mim, que era só um sapo em meio á tanta "cobra criada" consultada, ninguém sabia. Ou sabe.

Para mim, erroneamente, o habitat sem fim do animal amazônico protegia e permitia o desenvolvimento dos gigantes, a verdadeira surucucu. Ao contrario, as matas atlânticas (Ab'Saber), tombadas em 93%, induziriam Lachesis a menos tempo de vida (pressão antrópica) e menos intercambio genético, gerando a "surucutinga", um diminutivo em relação ao bichão amazônico  Nesse raciocínio  só o tamanho diferenciaria muta muta, de muta rhombeata

Alguém lançou uma luz: "só o Vanzolini para responder essa" e logo veio o adendo, "mas não adianta nem tentar, ele não responde carta de ninguém".

Tinha visto um documentário seu, os "Os calangos de Boiaçú", e nele o Professor dizia: "com esta espingarda (parecia uma 36, de 2 canos, linda) e 2 litros de formol, criei seis filhos", e aquilo me marcou. Pois bem, este era o homem que tinha a resposta, mas que iria ignorar-me se consultado.

Escreví.


Em 27 de dezembro de 2003 recebo dele a seguinte correspondência:


"Lachesis rhombeata foi descrita pelo Principe de Wied-Neuwied em 1825 (Beiträge Zur Naturgerschichte von Brazilien, vol. 1, p. 449-468)

A descrição (de vários exemplares) é muito detalhada. Ele não designa localidade tipo, mas cita: Morro da Arara, Rio Iritiba, Itapemirim, Rio Doce e Peruhype.

As localidades de Wied são discutidas por Bokerman, 1957, arquivos de Zoologia 10 (3): 209-251.

O artigo pode ser obtido da Biblioteca deste Museu.

Hoge (1966, Mem. Inst. Butantan 32 ("1965"): 109-184) descreveu ( p.162) Lachesis muta noctivaga, de Vitória, Espirito Santo, com os seguintes caracteres diferenciais:

a) manchas no topo da cabeça grandes, bem distintas (pequenas em muta)

b) faixa postocular preta e larga, não marginada de branco (estreita, marginada, em muta)

c) colorido geral avermelhado brilhante (acinzentado em muta)

d) dorsais 33-37, ventrais 214-247 em machos, 226-246 em femeas; sub-caudais 31-48.

O trabalho contem uma boa prancha colorida da cabeça (prancha 20)

Mais tarde chamei a atenção de Hoge sobre a especie de Wied, e ele mesmo fez a sinonimia.

Eu pessoalmente considero isso tudo supérfluo  A meu ver é urgente proteger essa especie porque é um predador de grande porte confinado a uma área restrita (a Mata Atlantica, do Rio para o Norte) e sob duríssima pressão antrópica. é um bicho precioso e emblemático.

Não é uma serpente perigosa para o homem (V. pode ter informações sobre isso do Butantan, com Dra. Fátima Furtado ou Dra. Myriam Callefo).

Espero ter atendido a sua solicitação. se faltou alguma coisa não se acanhe. É o tipo de causa em que todos temos que nos engajar. Se eu puder ajudar no Ibama (duvido) estou às ordens.

Cordialmente,

Paulo Emilio Vanzolini

PS: Endereço postal do Museu

Museu de Zoologia da USP

Avenida Nazaréth 481

CEP 04263-000 

São Paulo, SP

PS 2: Voce já viu Amphisbena fuliginosa na sua área ? estou mandando uma separata explicando esse pedido

V"

Pouco depois chega à minha casa um pacote dele, obra sua em 2 volumes: "An annotated bibliography of the land and fresh-water reptiles of South America (1758-1975)". Inacreditável.


Esse era o homem que "não responde".

Seguindo a recomendação da carta do Professor, fiz contato com Dra. Fátima Furtado, que ajudou em inúmeras situações, como essa da dúvida abaixo:

Dra Fátima, perdão, mas é insegurança de revisão, é correto dizer isso ? :

 "...ação desfibrinante ("incoagulabilidade" ou "efeito anticoagulante"), pela geração de trombina e/ou ação direta sobre o fibrinogênio. A desfibrinação é precedida de hipercoagulabilidade seguida de liquefação do sangue por fibrinólise, podendo ocorrer C.I.V entre os eventos."

Sua resposta foi um 'sim, é correta a afirmação'. Nunca deixou de ajudar-me pelos labirintos da bioquímica profunda dos envenenamentos, onde temeroso, eu redigia textos com a responsabilidade de guiar condutas médicas.

Só se pode agradecer ao Professor pelas pontes como esta com Dra. Fátima Furtado, com mais empenho na busca da preservação deste bicho 'precioso e emblemático', que 'é urgente proteger', como ele próprio coloca.

Lendo a introdução no volume I das obras que o Professor me enviou, aprendi que ele se aproximara dos monstros sagrados da Zoologia mundial da mesma forma com a qual que eu havia me aproximado dele, 'com cartinhas muito provincianas', e que alguns destes Mestres, 'no espirito de seu tempo', doaram-lhe bibliotecas inteiras de reprints, iniciando-se ali a formação do excepcional acervo do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP).

Sob sua curadoria, a coleção de répteis e anfíbios da instituição passou de 1200 para 230 mil exemplares, e a biblioteca, montada com doações como as citadas acima, e com o dinheiro que ele ganhou com a música, é reconhecida como um dos mais completos acervos de herpetologia do mundo. Vanzolini compôs 'Ronda' e 'A volta por cima', dentre outros sucessos imortais.

Contudo, a 'menina-de-seus-olhos' talvez tenha sido a redação da lei que criou a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que viabilizou obras em que estou envolvido diretamente, como a edição de 'Animais peçonhentos no Brasil', do Dr. João Luiz Cardoso (Butantã) http://lachesisbrasil.blogspot.com/2010/12/os-essenciais-dr-joao-luis-cardoso.html e também nossa parceria etnobotânica com a USP, abaixo ...


EFFECTS OF JUICE AND LEAVES EXTRACT FROM SOURSOP (Annona muricata) ON ENVENOMATION BY Lachesis muta rhombeata


Caroline M. Cremonez¹; Flávia P. Leite¹; Luisa H. D. Costa³; Zita M. O. Gregório³; Rodrigo C.G. de Souza²; Ana Maria de Souza³, Eliane C. Arantes¹.

¹Depto. Física e Química, Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto, Ribeirão Preto-SP, Brazil. ²Fundação Hospitalar Itacaré, Itacaré – BA, Brazil.³ Depto. Análises Clínicas, Toxicológicas e Bromatológicas, Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto, Ribeirão Preto-SP, Brazil.

E-mail: carolmc@fcfrp.usp.br


Lachesis muta rhombeata is found in the rainforests of Brazil's Atlantic region. Human accidents with these animals are severe. The pathological effects of L. muta rhombeata venom (Lmrv) result from its proteolytic, hemolytic, hemorrhagic, myotoxic, coagulant, fibrinolytic, inflammatory and neurotoxic activities. While the antivenon will remain as the main tool in the treatment of the accidents, adjunct methods to minimize the damages of the delayed treatments are welcome. The search for alternative methods that can minimize, alter or delay the action of the venom is constant. In the North and Northeast of Brazil, Lachesis bites are treated with the aid of folk knowledge such as the oral intake of a juice or aqueous extract of leaves of A. muricata. The aim of this study was to analyze if treatments with leaves extract or juice of soursop are able to inhibit alterations induced by Lmrv. Changes in blood pressure as well as biochemical, hematological and haemostatic parameters were analyzed in blood of rats (200g) injected (+ control) or not (- control) with Lmrv (3mg/rat, i.m.) and submitted to oral treatment (test) with juice or leaves extract of soursop (3 gavages of 0.5 mL at -1h, 15min and 1h) The treatment was beneficial in: (1) recovery of renal function, as evidenced by reduced concentration of urea in groups treated with soursop leaf extract; (2) glycemic control; (3) coagulation disorders (the treatment with juice maintained the partial thromboplasmin time close to the control group when compared with untreated group); (4) protect against the myotoxicity of venom (creatine kinase concentration in the groups treated with juice and leaves extract was lower than in untreated group). However, treatments with juice and leaves extract seem to worsen (1) the hemolytic action of Lmrv (decreased hematocrit, hemoglobin and the number of red blood cells), (2) the reduction of albumin and total protein – negative acute phase proteins; and (3) increased serum glutamic oxalic transaminase. These assays should be conducted with a larger number of rats to confirm these data.

Support: CNPq, FAPESP

Key-words: Lachesis muta rhombeata, Annona muricata, envenomation, anti-venom action. 


Abaixo outro trabalho nosso financiado pela FAPESP, desta vez com Daniela Damico, da UNICAMP: http://lachesisbrasil.blogspot.com/2011/09/surucucu-e-anti-coagulantes.html


Esse sujeito único - que nos deixou em 28/04/2013 - me lembrou de que 'é mais importante reconhecer a queda que dar a volta por cima'

Saudades ...  http://www.youtube.com/watch?v=8GQLpjf7GyA 






sábado, 15 de janeiro de 2011

Surucucu e os Villas Boas, moral e mistérios




Nas pesquisas sobre a questão da neurotoxidade em Lachesis, encontrei ontem mais um trabalho (acadêmico) citando a "agressividade" do gênero, algo que não confirmo após 10 anos de lida, avaliando o bicho como tranquilo.

Contudo, tem gente que não posso questionar, Orlando, Leonardo e Claudio Villas Boas um exemplo. Só se consegue o que eles conseguiram na epopéia da Expedição Roncador-Xingú sendo justos, tendo moral e credibilidade. Assim, se eles dizem em "Marcha para Oeste" que a surucucu é a "unica cobra venenosa brasileira que avança (ataca)", devo considerar que Lachesis tem o potencial de partir para cima de um ser humano.


Da esquerda para a direita, em campo, Orlando, Leonardo e Claudio Villas Boas

Imagine-se no mato liderando, dando ordens, a um grupo de homens armados, recrutados sem "Folha de Antecedentes" entre garimpeiros, assassinos foragidos, sertanejos rudes. Confira o clima:

http://www.youtube.com/watch?v=SK5vr7hkzac&feature=related

Você que me lê teria moral para controlar um grupo destes ? "Os Irmãos" extraíram o melhor de cada um destes brasileiros calejados - força e resistência física, sabedoria inata e lealdade - marchando a pé pelo mato no rumo Oeste brasileiro, terras que nas décadas de 30 e 40 eram tão desconhecidas e inóspitas quanto o coração da Africa..

Chegavam à beira de um ribeirão mais grosso, e então paravam, armavam acampamento, derrubavam arvores, limpavam o tronco a machado, serravam tabuas no serrote, construíam o batelão (barco), e seguiam.

Comida ? Estoques limitadíssimos, caça e pesca ... "aos Domingos".

Achou pesado ? Então sinta que na sequencia dos trabalhos, este mesmo grupo de homens chegava a um terreno mais ou menos plano, naquela área de transição entre amazônia e cerrado, com a missão de construir um campo de pouso de aviões.

Cortar as arvores altas, tirá-las do caminho, cortar e limpar o mato menos grosso, 'destocar' tudo, que é remover as raízes profundas, limpar de novo, desenterrar e remover todos os formigueiros (terra fofa, armadilha para pouso e decolagem), "pilar" tudo, que é a compactação e terraplanagem do solo. Isso na decada de 40, na mão. Extensão destas pistas: de 400 a 1000 metros de comprimento, por cerca de 60 de largura. Foram várias, na mão.

A vanguarda da expedição "Roncador-Xingú" era mais ou menos abastecida quando os campos de pouso eram inaugurados, e os aviões traziam as encomendas feitas por rádio, quando o radio funcionava.

Entendo aqui porque pilotos brasileiros fizeram bonito na Itália, na Segunda Guerra Mundial. Gente do Correio Aéreo Nacional, acostumados a enfrentar pistas como essas, navegando no olho, pousando e decolando com trens de pouso raspando nas copas.

Passaram fome muitas vezes vitimados pela burocracia. Comeram onça, tomaram "chá-de-quaqué-fôia": na falta de tudo, arranco um mato qualquer, fervo e bebo.

Mas ainda assim, liderados por principalmente por Claudio e Orlando - Leonardo abandonou precocemente a expedição - estes homens trabalharam duro de uma forma que não nos é realmente dado a conhecer - só estando lá - e perfilaram-se para o hasteamento da Bandeira todos os dias. Alguns enlouqueceram, uns poucos transgrediram na disciplina e foram sumariamente 'despachados de volta' no primeiro avião.

Mas não se sabe de índio morto por gente da expedição, ou de indiazinha estuprada. Facas foram puxadas. Ânimos se exaltaram ao limite, mas havia um núcleo de comando com moral para que se evitasse o pior.

Esse controle psicológico que os irmão Villas Boas construíram sobre o grupo foi vital, porque o mais difícil era o porvir: fazer contatos com tribos arredias, valentes, guerreiras. Memórias recentes 'do sumiço' do famoso americano, Coronel Fawcett, pelos Kalapalo.

A questão ali não era de poder bélico, de valentia do branco, mas de estratégia na aproximação e controle total sobre os homens armados.

A vida estava no limite o tempo todo quando entraram em terras de tribos ameaçadas:

http://www.youtube.com/watch?v=MWdaXLycm-s&feature=related

Mas perseveraram e construíram o Parque do Xingú, com criticas - sem propostas alternativas - por terem juntado etnias. Com olhos de hoje, sabe-se que não teria sobrado um só índio se não fosse por eles, exemplos mundo afora às duzias.

Implantado o parque (do tamanho da Bélgica), não estava pronta a empreitada: negociar a paz entre inimigos históricos agora vivendo lado a lado, internamente, e proteção de entorno (agropecuária, garimpo, grilagem), eram só dois dos desafios imediatos.

O garimpeiro, o assassino foragido, o sertanejo rude, eram todos afinal seres humanos iguais a nós, com mais ou menos os mesmos valores, e certamente menos oportunidades. Mas o índio não. Sua psicologia é própria. Para falar com guerreiros sobre guerra e paz, vida e morte, só sendo tão guerreiro quanto os interlocutores  Grandes chefes como Izararí, ouviam os irmãos Villas Boas e assim, a mais delicada das questões de primeiro momento, a convivência entre as etnias, foi aos poucos se dissolvendo, "na moral". Mas não foi fácil:

http://www.youtube.com/user/nvillas

Então, se Orlando e Claudio falam que surucucu avança. Ela avança. Vou ficar mais esperto. Já vivi de tudo em resgates de Lachesis, menos uma sequencia dirigida de 3 botes ou mais, esticando todo o corpo à cada bote, ativamente rumando em minha direção, como vários antigos moradores do Sul Baiano relataram-me ter vivenciado, e que os Villas Boas ensinam-me que pode vir a ocorrer*.

Trata-se do tal 'SÚ Ú Ú' dos Tupi Guaranis, ou "bote bote bote", com o verbete "surucucu" significando 'aquele que dá botes sucessivos' (Silveira Bueno, 'Dicionario Tupi-Guarani / Português').

* nota minha: quando escrevi essa postagem ainda não tinha vivido essa experiencia, dos botes em sequencia em minha direção, que acabou sim ocorrendo, confira relato no link abaixo

http://lachesisbrasil.blogspot.com.br/2013/08/mea-culpa.html


A vida dos Villas-Boas é terreno onde sempre cabe o mistério. Orlando estava no mato com um dos irmãos e um índio, chovia muito forte, frio e vendaval. Raios e arvores caindo 'como palitos'. "Vou morrer" pensou, foi quando surgiu um grande oco numa arvore caída. Entraram os três para dentro. Tremendo de frio, risco de hipotermia, dormiram. Ainda escuro ao acordarem, notaram dentro do oco, em sua entrada e deitado com eles, um grande cervo. O bicho enorme havia aquecido o grupo durante o momento critico. Então o animal se levantou, e calmamente seguiu seu rumo. O "Espirito da Floresta" segundo o Xavante. Seja lá o que tenha sido isso, bom sinal, talvez a 'Lei do Retorno' atuando, com os Villas Boas sendo abençoados por seus próprios atos.

Abaixo uma imagem daqueles tempos em que se deu a Expedição Roncador-Xingú, em que as surucucus ainda tinham tempo de vida e habitat para chegar e ultrapassar os 3 metros.
































Mas assim como veio Fordlandia, Balbina e seu 'Laranjal do Jarí', a Bamin no pé da Serra Grande, onde trabalho com Lachesis, a Anglo Gold cercando o Caraça e etc, virão mais levas e hordas de devastação, e nestes tempos difíceis, em que a surucucu da Mata Atlântica já enfrenta noventa e três por cento de destruição de habitat, é sempre bom lembrar destas coisas antigas, como a temperança e a honra que regeram a vida dos Villas Boas, e que podem 'abençoar a vida' dos detentores da caneta, como intui meu filósofo Luquinha, retratado abaixo com o irmão Gabriel e uma Bothrops neuwiied, em aula pratica de campo, minutos antes de sua soltura. Outros meninos, outros tempos, outro contexto, mas o mesmo rumo à terra devastada.































Uma ultima pincelada no legado dos Irmãos Villas Boas: uma escola de Indigenistas que divergia daquela de Rondon, que buscava contato com os índios para trazê-los para o 'beneficio' do mundo branco. Sidney Possuelo, na mesma linha dos Villas-Boas, acredita que só há uma salvação para as tribos isoladas, que é permanecerem isoladas. Na experiencia de Possuelo, após o contato inicial, em questão de um ano estava quebrada a altivez, a independência, a auto suficiência e a saúde do índio, e não raro, 30- 50% da população do grupo perecia.

Sidney liderou sete primeiros contatos - inevitáveis - com tribos isoladas.

























Sidney com os Korubos, foto: Erling Söderström



Para que a tribo isolada permaneça 'isolada', é necessário que sua terra ampla seja demarcada e protegida. Criar fronteiras para proteger, limitar acesso externo e isolar, foi o conceito do Xingú dos Villas Boas. Nessa trilha, a de cavar espaço territorial para os índios, Sidney foi demitido da FUNAI por contestar publicamente o presidente Mércio Pereira Gomes, em sua afirmação de que "no Brasil tem terra de mais para índio de menos"

Em épocas de revisão do Código Florestal brasileiro, o conhecimento de que há pelos menos 40 tribos (2001) isoladas na região norte, torna-se essencial que a visão de Sidney seja levada em conta, por representar justiça para com os verdadeiros donos da terra.

Os irmãos Villas Boas, Apoena Meireles, Francisco Meireles, Claudio Romero, Francisco Bezerra, Sidney Possuelo e alguns pouquíssimos outros, formam parte das raras boas novas da nação brasileira, a nata dos 'Sertanistas': gente duríssima, forte, corajosa, abnegada, devotada de corpo e alma à questão do índio, recebendo salários medíocres, correndo risco de vida o tempo todo, sofrendo podas politicas o tempo todo, e seguindo adiante, insubstituíveis em sua experiencia prática.

O bem maior que estes homens nos deixam foi sua inequívoca tomada de posição ética, em épocas em que as Nações Indígenas eram tidas como meros transtornos à marcha desenvolvimentista. Hoje é fácil estar 'ao lado do índio'. Ou como diria Ferreira Gullar: "Fui esquerdista quando dava cadeia, hoje dá emprego"...


Fica aqui também uma justa e necessária homenagem, junto a triste constatação: aquele que talvez tenha sido o maior etnólogo 'brasileiro' de todos os tempos é um total desconhecido, e nasceu na Alemanha, em 1883. Seu nome Curt Unkel.







Desembarcou no Brasil em 1906, MARCHOU PARA OESTE, encontrou os guaranis-apinacauás, foi adotado pela tribo e mudou de nome, virou Curt Nimuendajú, um sobrenome que em tupi-guarani pode ser traduzido por 'aquele que fez seu próprio lar'.

Durante 40 anos viveu entre pelo menos outras nove tribos, deixou 50 livros, morreu em 1945 às margens do Amazonas, sem jamais ter retornado ao convívio com os brancos. Foi enterrado como o índio que de fato havia se tornado.


Abaixo e concluindo, Orlando em 1940 no rumo oeste, em imagem do arquivo de seu filho Noel, fundador do Instituto Orlando Villas Boas, SP.







"Marcha para Oeste: A Epopéia da Expedição Roncador-Xingu" (Editora Globo), é imperdível, e está também nos cinemas:

https://www.youtube.com/watch?v=7V5nIIkCYpQ

Entenda a evolução histórica da 'Marcha para Oeste':

http://lachesisbrasil.blogspot.com/2011/03/marchando-para-oeste.html