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quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Cuidado parental em Lachesis




Herpetologista mirim Vinicius pergunta: "Mas como ela pode chocar ovos se os repteis tem a mesma temperatura do ambiente ?"

O termo chocar, como fazem as galinhas, não é adequado ao caso da surucucu. A fêmea coloca seus ovos e fica sobre eles sem possibilidade de mudar a temperatura ambiente (termorregulação), mas com alguma possibilidade de atuar na umidade sobre os ovos (higrorregulação), formando uma cúpula que retém em parte a dispersão de evaporação natural do solo. Vou checar a opinião de dois especialistas, Drs. Somma e Harry Greene, e retorno à sua pergunta.

Quando você vê uma Lachesis sobre os ovos é impossível não associar ao ato de chocar, você tem razão. O que ocorre para mim, é que ela esta fisicamente protegendo ovos do pisoteio do destrambelhado tatu ou da arisca paca, ou de algum teiú faminto. A surucucu, para fugir de alagamentos e dos perigos da Mata Tropical, bota seus ovos no final destes tuneis escuros (inseto não voa para a escuridão), e convive com seus proprietários originais (paca e tatu). Se os ovos forem pisados e girados em seu eixo pelos donos da casa, uma bolha de ar interna fará com que o embrião seja perdido, como se descolássemos uma placenta do útero dos mamíferos. Creio ser este o principal motivo, proteção mecânica, de Lachesis não desgrudar dos ovos.

Mando-lhe abaixo uma foto raríssima, do amigo Earl Turner, que ilustra bem como esta proteção sobre os ovos ocorre, e que dá sim esta sua sensação da cobra esta 'chocando'. O animal da foto é uma Lachesis stenophrys, da America Central. Com a surucucu da Mata Atlantica, Lachesis muta rhombeata, por 03 vezes distintas, flagrei macho e fêmea guardando os ovos, e não só a fêmea.






                                Dr. Somma responde alguns dias depois....


Caro Vinicius, Dr. Somma me respondeu dizendo que não há uma evidencia direta de que ocorra alteração dos níveis de umidade pela presença física do animal genitor junto aos ovos. O cuidado dos pais com ovos e prole em repteis é alvo de seus estudos, e envio-lhe  um deles, verdadeiramente espetacular, em especial nas referencias a autores pioneiros....









E Dr. Harry Greene nos responde alguns dias depois.....


Caro Vinicius, Dr. Harry Greene é um dos maiores na herpetologia mundial, e me responde com a classe e a autoridade de sempre. Ele acha que a 'agregação' (ficar juntos) retarda a perda de liquido nos recém nascidos, e portanto, traria algum nível de higrorregulação num dado grupo, superior à de um individuo sozinho. Mas este cuidado dos pais com filhotes em Viperidae tem complexidade muito maior que esta de manter umidade. Tudo indica que há comportamentos transmitidos, por incrível que isso pareça, e a necessidade de estudos sobre o tema é enorme. Abaixo o resumo de um trabalho de Dr. Green sobre o tema:



PARENTAL BEHAVlOR IN VIPERS
(HARRY GREENE E COLS.)



"Field studies, laboratory experiments and phylogenic analyses show that parental behavior by vipers is more interesting than previously realized. Telemetered Crotalus remain with eggs during incubation, those of 19 species in four genera remain with their young for several days after birth. And thus pits, defensive caudal sound production, and attendance of neonatcs arc hisrorically correlated. Alternatively, parental behavior appeared earlier in the evolution of snakes or even anguimorphs and later was elaborated or lost in many lineages. Pitvipers probably protect their eggs and/or offspring from predators, and aggregation might enhance thermoregulation and retard water loss by neonates. Tongue-flicking among littennates and liiothers might facilitate chemically-medialed social mechanisms. Physiological control mechanisms. Ecological consequences, variable timing of neonatal ecdysis and individual, population, and taxononomic variation in parental behavior by snakes warrant further studies"





Bom Vinicius, vimos que Somma e Greene tem visões diferentes. É tema com questões abertas, e mais duvidas que certezas, mesmo por parte dos REALMENTE grandes na herpetologia mundial. Continue pensando, e ajude-nos a compreender um tema dificil como este.

2 comentários:

  1. Então porque vc tira os ovos da Cia dos genitores?
    Se a companhia só agrega fatores positivos

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    1. Respondo às quatro perguntas aqui. Só para relembrar a raridade do evento reprodução em cativeiro da surucucu da Mata Atlantica, a primeira do mundo, e todas as outras, ocorreram no NSG. Em cativeiro não se pode evitar ataques de fungos, formigas, e principalmente de pequenas moscas. Não há como comparar a complexidade, profundidade e segurança de uma galeria de paca e tatu com os tuneis que oferecemos. Daí a remoção dos ovos. Em algumas postagens recentes postei fotos de sistemas que estou tentando para não fazer a remoção e ao mesmo tempo garantir minimamente a segurança dos ovos. Ovos são postados 100 dias após os cruzamentos, e eclodem de 70-91 dias após, se tudo der certo, o que é dificil. Já perdemos ovos com 50 dias de encubação, ataque de mosca. E cruzamento não é garantia de nascimento, tudo depende do estado nutricional do casal, e de outros fatores. E nunca se poderá garantir que em determinado ano haverão x nascimentos, a questão não é matematica, e depende inclusive de fatores ambientais, numa atmosfera cada vez mais instavel. E por fim, 93% da Mata Atlantica já tombou, e o estrago continua, neste momento, com o agravamento da crise financeira e o consequente aumento no extrativismo ilegal de madeira. Ilhas verdes com populações confinadas e sem intercambio genetico apropriado é o cenario de hoje. E Lachesis não tem a adaptabilidade e rusticidade de Bothrops: se a area é devastada, os ovos se desidratam, e não vingam. Abraço, R

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